Por monica.lima

Imagine uma massa humana duas vezes e meia maior do que a nossa população indo às urnas. Isso mesmo. Durante cinco semanas, de 7 abril até 12 de maio, 550 milhões de indianos saíram de suas casas para ir às seções eleitorais votar.  O gigantesco processo eleitoral chegou ao fim. Hoje, a maior democracia do planeta anuncia ao mundo o resultado. Os indianos votaram em massa. O país registrou um recorde histórico de comparecimento às urnas: 66,38%. Foram 130 milhões a mais de eleitores do que no pleito passado, em 2009. O último recorde havia sido registrado há exatamente 30 anos (64,01%), com o país traumatizado pelo assassinato da primeira-ministra Indira Gandhi pelos seus dois guarda-costas.

O eleitorado de hoje é muito diferente daquele de 2004, quando o Partido do Congresso venceu a eleição e indicou o tímido economista Manmohan Singh ao cargo de primeiro-ministro. Duas décadas após a reforma econômica - da qual o próprio Singh foi seu arquiteto como ministro das Finanças em 1991 - há uma nova Índia. Ela não é mais dividida somente entre pobres e ricos. Milhões deixaram de ser miseráveis e transformaram-se em um exército de aspirantes.

São os que sonham entrar para o clube dos que usufruem de alguma estabilidade econômica. São os “ nem-nem” da Índia. Uma categoria que os analistas do país batizaram de NRMB (“Not Rich, Not Middle Class, Not Below the Poverty Line”): ou seja, nem são ricos, nem são ainda da classe média propriamente dita, nem engrossam mais as fileiras do inferno dos miseráveis. São trabalhadores informais como pintores, carpinteiros e seguranças de condomínios residenciais e prédios comerciais, empregados domésticos, vendedores ambulantes.

O que há de novo na Índia é o poder emergente desse “meião” - que flutua entre o topo e a base da pirâmide. Trata-se de um exército - que alguns analistas calculam em mais da metade dos 1,2 bilhão de indianos. Um imenso contingente que ganhou mais consciência política e que se tornou mais exigente. No início do governo do economista Manmohan Singh, que agora se despede da política, havia uma ideia de progresso. Mas com o tempo, o otimismo foi sendo corroído e o negativismo inundou a percepção dos indianos. No final de seus 10 anos no poder, o Partido do Congresso passou a ser visto como fraco: fortaleceu-se a idéia de que no mínimo fazia vistas grossas para a corrupção dos aliados políticos e de seus integrantes menos honestos. Quanto ao próprio Singh, justiça seja feita, ele nunca foi acusado pessoalmente de corrupção.

Nos últimos tempos já era comum ouvir da boca dos indianos “Nem-Nem” que a “Nova Índia” só sabia sorrir para um grupo selecionado, acima deles: a classe média ocidentalizada e os ricos. Mas algum benefício do crescimento econômico eles tiveram. Os “Nem-Nem” foram, por exemplo, protagonistas da chamada Revolução da Telecomunicação na Índia, que hoje tem 933 milhões de usuários de celular, segundo lugar no mundo, depois da China.

Os “Nem-Nem” foram alvo de uma maciça campanha eleitoral por mensagens de texto. Rahul Gandhi, o candidato do Congresso, havia tentado fisgar o voto dessa gigantesca categoria e anunciara em janeiro que focaria neles durante a sua campanha. Mas muitos deles se identificaram com Narendra Modi, do BJP, o principal partido de oposição. O próprio Modi, se não tivesse ascendido na vida, poderia ser hoje um “Nem-Nem”. Ao contrário do brâmane Rahul (herdeiro da dinastia política mais poderosa do Sul da Ásia), Modi não é de casta alta (mas sim intermediária, como muitos “Nem-Nem”). É filho de um vendedor de chai, o chá com leite e especiarias que corresponde ao cafezinho para o brasileiro. Diferentemente da elite tradicional indiana e exatamente como os “Nem-Nem”, Modi não se sente confortável com a língua inglesa.

A campanha de Modi criou com sucesso uma atmosfera aspiracional em torno do estado que ele governa, o Gujarat, projetado como uma espécie de Shangri-Lá da infraestrutura, onde nunca há apagões ou falta d’água. Seus correligionários espalharam mitos que evocaram uma imagem de herói hindu que acorda às 5h30 da manhã para fazer Yoga e meditação, e é tão energético que só precisa dormir cinco horas por noite.

Singh deixa o cargo com alguns arrependimentos, como o de não ter aprovado a reforma tributária e não ter conseguido abrir o mercado de seguros para os investidores estrangeiros. Mas para os “Nem-Nem” isso não contou. Para eles, a marca negativa do governo Singh foi, além da aceitação da corrupção, a incapacidade de criar empregos e de segurar a inflação (mais de 8% nos últimos dois anos).

Para os mais pobres, pesou o fato de que o governo passou a adotar, na sua fase final, uma atitude tecnocrática com relação à pobreza, perdendo o foco social, observou Shiv Visvanathan, um dos mais importantes sociólogos indianos. Um dos maiores exemplos disso aconteceu em 2011, quando o governo tentou medir a pobreza, para focar os benefícios em um público alvo: o indiano que ganhasse por dia o equivalente a US$ 0,60 por dia nas cidades e US$ 0,50 no campo não seria mais considerado pobre. A linha da pobreza ganhou rapidamente o apelido de “ linha da fome”. E o governo ganhou a imagem de insensível.

A ideia de que o governo seria mole com os corruptos se cristalizou com vários escândalos. Ganhou força a convicção de que recursos nacionais, como minério-de-ferro, carvão e florestas, estavam sendo usados inescrupulosamente pelas grandes corporações, em conluio com elementos corruptos do governo. Um dos escândalos que contribuiu para chamuscar mais a imagem do governo de Singh foi a desorganização e as denúncias de corrupção que cercaram a realização dos Jogos da Comunidade Britânica em Nova Delhi, em outubro de 2010, que reuniu mais de 6 mil atletas de 71 países. Ali, naquele momento, o Partido do Congresso já começava a perder o jogo.


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