Por bruno.dutra

Os indianos não se conformam com sua ausência histórica nas copas do mundo. Quando a bola começa a rolar em uma Copa, debates e debates nos canais de televisão tentam explicar o fracasso do país, que amarga a 147ª colocação no ranking da Fifa. A decepção se estende à vizinha China, que pelo menos está um pouquinho melhor do que a Índia: ocupa o 96º lugar no ranking. A China participou da Copa de 2002, mas engoliu três derrotas e nove gols nas três vezes em que sua seleção entrou em campo.

O chamado “planeta Chíndia” – com seus dois bilhões e 600 milhões de habitantes — está colado no banco dos reservas. Mas os dois países tem buscado nos últimos tempos um lugarzinho ao sol no mapa mundial do futebol. É impossível ignorar um terço da população planetária: um mercado bilionário para o lucrativo negócio futebolístico.

Uma nova geração de indianos e chineses começa a se ligar nos times europeus por causa da globalização e da chegada das televisões a cabo, já dizia em 2011 o jornalista Simon Kuper (autor de vários livros sobre futebol, como o Soccernomics), durante um jantar na casa de um jornalista indiano especializado em futebol, em Nova Delhi.

Para Kuper (que visitou a capital indiana naquele ano para participar de uma conferência que discutiu o negócio do futebol), a Índia é um gigante adormecido do futebol. De fato, é comum hoje ver meninos da classe média urbana indiana torcerem para o Barcelona enquanto seus pais assistem a uma tediosa partida de críquete.

Cerca de 30% dos 1,2 bilhão de indianos estão na faixa etária entre 10 e 24 anos. Os jogos de críquete podem ser assistidos por 400 milhões de indianos pela TV. Mas a audiência do futebol tem crescido e não é nada desprezível: 131 milhões de indianos assistem os jogos do EPL (English Premier League) ou os da La Liga, da Espanha.

Mas há também um fenômeno curioso: o das brigas entre as torcidas “brasileira e argentina”. Ou seja, os indianos que literalmente vestem as camisas dessas duas seleções e transformam-se em torcedores fanáticos. Um dos principais comentaristas de futebol da Índia, Novy Kapadia — autor do livro Football Fanatic’s Essential Guide – explica que muitos indianos se identificam com os brasileiros por motivos culturais e esportivos. A habilidade dos brasileiros e argentinos, com seus passes curtos e jogadas individuais é o estilo que os indianos gostam de ver, diz ele.

A vitória do Brasil, um time de mestiços, na Copa de 1958, encantou os indianos, conta Kapadia. Mas os argentinos conquistaram um pedaço do coração indiano na Copa de 1986: o triunfo da Argentina, um país também excluído do time dos ricos, foi assistido a cores pela primeira vez nas televisões da Índia. Há os que acreditam que o poder do futebol esteja limitado ao gramado. Mas o próprio líder pacifista Mahatma Gandhi foi o primeiro indiano a usar o esporte como instrumento para propagar suas causas políticas. No fim do século XIX, ele ajudou a fundar o “Passive Resisters Soccer Club” em um momento em que já fazia suas experiências sociais com o movimento de resistência pacífica, na luta contra o racismo na África do Sul.

A forma como o futebol começou a cativar os indianos revela um aspecto épico. O jogo mais famoso da história do país aconteceu no dia 29 de julho de 1911, na então Calcutá, capital do estado de Bengala Ocidental. Onze indianos descalços que jogavam pelo Mohum Bagan conseguiram um milagre que parece ter saído das telas de Bollywood, conhecida pelos seus melodramas: venceram os poderosos colonizadores britânicos de uma unidade de infantaria que jogavam pelo East Yorkshire. Foi a primeira vitória de um time esportivo indiano contra um oponente estrangeiro.

O primeiro gol foi do sargento britânico Jackson, aos quinze minutos do segundo tempo. Mas os indianos revidaram cinco minutos depois, com o gol de Sibdas Bhaduri. Em um final épico, minutos antes de o juiz acabar a partida, Abhilash Ghosh fez o gol que derrotou os ingleses. Calcutá explodiu. A agência de notícias britânica Reuters informava, no dia 30 de julho: “ os bengaleses rasgavam suas camisas e as agitavam como se fossem bandeiras”. O triunfo acendeu a imaginação do país e quebrou o mito de superioridade racial que os britânicos semeavam.

O jornal bengalês Nayak constatava: os indianos mostraram que mesmo sendo “comedores de arroz” e descalços, podiam ser melhores do que os hercúleos comedores de carne de vaca britânicos. A procissão da vitória uniu hindus e muçulmanos. Hoje, o triunfo do Mohum Bagan está sendo recriado em um filme com o astro de Bollywood John Abraham no papel de Bhaduri. Mas apesar desse capítulo heróico, o futebol não se afirmou em solo indiano. O críquete, também trazido pelos britânicos, caiu nas graças dos indianos.

Hoje, o que há de indiano nas copas são as bolas, boa parte delas fabricadas no Norte do país e também no Paquistão. Recentemente, no entanto, foi criada a Super Liga Indiana – cujos jogos deverão começar em setembro, com times patrocinados por celebridades como Shah Rukh Khan, 48 anos, também chamado de SRK. Ilustre desconhecido para boa parte dos ocidentais, SRK não pode sair às ruas na Índia sem um batalhão de seguranças.

Tido como um semi-deu para milhões, é o segundo astro do cinema mais bem pago do mundo, depois de Jerry Seinfield. Com uma fortuna de US$ 600 milhões, já é dono de um time de críquete. Com a promessa de investir agora no futebol, SRK vai desembarcar no Brasil para ver a final da Copa.

Uma das metas da Super Liga Indiana — criada pela IMG, uma das maiores agências de marketing do mundo, a Star India, empresa de mídia, e a Reliance, gigante indiana de energia — é pavimentar o caminho para que a Índia se qualifique para sediar uma Copa do Mundo. A China, que já sediou uma Olimpíada, tem o mesmo desejo. Xi Jinping, o presidente do país, é um fã declarado do futebol. Pediu para que o encontro do BRICS, que seria em abril, fosse transferido para julho.

Assim, poderia emender o encontro com a final da Copa. O futebol chinês também começa a ganhar a injeção financeira de suas grandes corporações. A Alibabá, gigante chinesa de comércio pelo internet, anunciou nesse mês que comprara 50% do Guangzhou Evergrande, maior time na China. Afinal, ninguém gosta de ser chamado de perna de pau.

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