Em um artigo publicado em maio pelo Le Figaro, ele constata: “O esporte é a forma mais visível para mostrar as bandeiras e de os países existirem aos olhos dos outros”.
O futebol sempre foi um poderoso instrumento do chamado “poder brando”, termo criado por Joseph Nye, professor de Harvard e um dos grandes nomes das Relações Internacionais. Trata-se da habilidade de influenciar os outros a fazer o que você quer. Um Estado, por exemplo, pode exercer influência externa através de instrumentos variados, como a sua cultura. No caso do Brasil, o seu futebol.
São incontáveis os casos em que o futebol se mistura com a política. No Irã, as mulheres - obrigadas a usar o véu que cobre os cabelos e impedidas de entrar em estádios – já desafiaram os aiatolás algumas vezes, impondo suas presenças nas arenas futebolísticas para ver a sua seleção jogar, segundo narra o jornalista Franklin Foer em seu livro “ Como o Futebol Explica o Mundo: um olhar inesperado sobre a globalização”. Há poucos dias, Lionel Messi foi cumprimentado pelo grupo jihadista sunita Estado Islâmico do Iraque e do Levante (Isis, na sigla em inglês), na sua conta do Twitter. Eles ficaram felizes da vida com o gol do craque argentino que derrotou a seleção do xiita Irã, inimigo de morte dos terroristas sunitas no Iraque.
A imprensa nigeriana que está no Brasil cobrindo a Copa usou o futebol para mandar um recado ao mundo: distribuiu 250 camisetas com mensagens de protesto contra o Boko Haram, grupo terrorista islâmico que sequestrou mais de 200 moças para transformá-las em escravas. Contrários ao futebol por ser uma criação Ocidental, eles atacaram um local onde era transmitido o jogo do Brasil contra o México, deixando 7 mortos. Ficou para a história a gloriosa luta de resistência dentro do campo dos jogadores ucranianos do Dínamo de Kiev contra soldados nazistas na II Guerra Mundial, como lembra de forma brilhante o jornalista Andy Dougan no livro “Futebol & Guerra”.
Nos últimos 20 anos, países emergentes têm apostado cada vez mais na tática de sediar megaeventos esportivos como forma de se projetar internacionalmente. Desde que começaram os Jogos Olímpicos modernos, no século XIX, coube aos países ricos o papel de anfitrião. Os Jogos Olímpicos do Rio em 2016 serão os primeiros realizados na América do Sul.
Antes de começar a Copa, o Brasil vinha perdendo o jogo na construção de uma imagem positiva, com tantas notícias negativas da mídia internacional sobre atrasos nos preparativos do evento e sobre protestos contra os gastos da Copa. Mas, por sorte, a Copa tem sido eletrizante e surpreendente, com jogos de tirar o fôlego. A mídia internacional, antes tão mal humorada, agora começa a enaltecer a nossa Copa como histórica. “ Se a Copa no Brasil é para ser como esta, que todas sejam no Brasil”, disse Jason Davis do canal ESPN. Essa será a Copa mais vista de todos os tempos, transmitida para 214 países. Mas audiência global serve para evidenciar qualidades e defeitos.
Todos os países dos BRICS tem sediado grandes eventos esportivos. Com isso, vivenciam as glórias e os tropeços de dar passos ousados. Em 2008, foi a vez da China entrar para a berlinda, ao promover as Olimpíadas. Uma onda de protestos globais em defesa dos direitos humanos e contra a repressão no Tibete constrangeu os chineses. Manifestantes perseguiam a tocha olímpica no mundo todo, até ela chegar em Pequim. Preocupados com a poluição de Pequim, atletas americanos desembarcaram de forma dramática na capital chinesa: usando máscaras. Mas todo o clima de pessimismo se desfez a partir do dia da abertura dos jogos, com uma festa que embasbacou o mundo no estádio construído para lembrar o ninho de um pássaro.
O partido comunista chinês, no entanto, pagou caro pela festança que teve uma audiência recorde de 4,7 bilhões de espectadores: US$ 42 bilhões. Foram as Olimpíadas mais caras da história. Para arrematar o sucesso chinês, seus atletas conquistaram o maior número de medalhas de ouro (51). O governo chinês se projetou mais ainda como uma potência mundial e ainda conseguiu angariar mais apoio interno.
Em meados de 2010, foi a vez da África do Sul sediar a Copa do Mundo. Notícias de estádios incompletos e distúrbios sociais assombravam os noticiários antes do evento. Mas nada disso se concretizou. Em outubro daquele ano, a Índia sediou os Jogos da Comunidade Britânica. Nova Delhi recebeu seis mil atletas de 71 países. A mídia indiana e estrangeira cobriu cada detalhe e focou, é claro, nos problemas, que foram muitos.
Houve atraso nas obras, sujeira (com operários defecando nos apartamentos construídos para os atletas), desorganização e corrupção. Ameaças de boicote envergonharam os indianos. Os jogos custaram US$ 6,8 bilhões, os mais mais caros da história. No final, os jogos ocorreram sem problemas. Mas para o governo do ex-primeiro-ministro Manmohan Singh, o estrago na sua imagem já tinha sido feito.
Em fevereiro desse ano, a Rússia organizou, em Sochi, os Jogos Olímpicos de Inverno, os mais caros de todos os tempos: US$ 51 bilhões. Segundo denúncias publicadas na mídia internacional, metade dessa soma desapareceu em contratos suspeitos. Como sempre, os problemas do país foram analisados com lupa pela mídia internacional: ganhou destaque a controvérsia global sobre leis russas que proíbem propaganda gay. A mão forte de Vladimir Putin impediu protestos e os jogos ocorreram sem percalços.
Por serem empreitadas cada vez mais bilionárias, com retornos duvidosos, muitas cidades-candidatas a sediar esses eventos começam a titubear. Munique e Davos desistiram de bancar as Olimpíadas de Inverno de 2022 por causa da pressão contrária de seus habitantes. Estocolmo e Cracóvia também tiraram o corpo fora. Oslo, por falta de apoio político interno, e Lviv (Ucrânia), devido aos conflitos do país, estão em cima do muro. Restaram Pequim e Almaty (Casaquistão).
Há um grande debate no mundo sobre as vantagens e desvantagens desses grandes eventos internacionais esportivos. E o Brasil participa dessa discussão global com o seu exemplo na Copa. No dia seguinte à partida final no Maracanã, que será assistida pelos chefes de Estado do BRICS, eles seguirão para Fortaleza, onde fazem a sua sexta cúpula. Será uma ótima oportunidade para o Brasil dividir com a Rússia – que sediará a próxima Copa, em 2018 - e com os demais países, os problemas que teve com “ o padrão FIFA”.