Por bruno.dutra

Em 1997, o território deixou de ser colônia britânica, depois de 156 anos de dominação. A Grã-Bretanha tomou Hong Kong da China após a Primeira Guerra do Ópio (1839-1842). A cidade voltou aos braços da China, da qual é uma das duas regiões administrativas especiais (a outra é Macau). E isso aconteceu 20 anos depois de iniciadas as reformas econômicas que abriram as portas da prosperidade econômica para a China. Hoje com 7 milhões de habitantes, Hong Kong continua sendo um centro financeiro da Ásia. Mas com o enriquecimento na China continental, o território já não é mais a única meca dos negócios do país.

As reivindicações por maior democracia acenderam a fogueira do descontentamento em Hong Kong, que nem nos tempos britânicos podia escolher seus governantes: Londres nomeou todos os governadores do território. Mas há muito mais ingredientes nesse poço de mágoa, além do clamor por mais liberdade. Muitos dos manifestantes estavam motivados pelo sentimento de deslocamento diante da perda de posição de Hong Kong dentro de uma endinheirada China continental. Hong Kong perdeu seu papel de portão exclusivo de entrada de investidores estrangeiros para a China.

A promessa de eleição livre, cobrada agora nas ruas, foi feita ironicamente por Pequim, pela figura de Deng Xiaoping, o líder que abriu as portas da China para o capital estrangeiro, pavimentando o caminho para que o país alcançasse a posição atual de segunda economia mundial. Assim, Hong Kong adotou nos anos 90 a Lei Básica, que incluiu o compromisso de que em 2017 seu chefe do Executivo fosse eleito por sufrágio universal. Nascia a ideia do “um país, dois sistemas”, sob o qual Hong Kong manteria até 2047 seu próprio sistema legal e político, bem diferente do que prevalecia no resto da China.

Foi natural que na época de seu retorno aos domínios de Pequim, o território atraísse as multinacionais e bancos que estavam de olho no mercado chinês. E isso colaborou para o enriquecimento de Hong Kong, dando a seus habitantes motivos para orgulho: eles usufruíam um nível de vida superior ao do restante dos chineses do continente. Mas hoje o nível de vida dos chineses continentais deu saltos de qualidade. Hong Kong também perdeu espaço para outras cidades chinesas, como Xangai. Até pouco tempo atrás, Hong Kong tinha o maior porto da China. Hoje, Xangai e Shenzhen têm portos maiores.

É claro que o território continua sendo fundamental para Pequim. Só não é mais o único centro financeiro e a única cidade endinheirada do país. Hong Kong permanece sendo, por exemplo, um trampolim para as estatais chinesas que procuram se expandir no exterior. Hong Kong é uma peça-chave para os planos de Pequim de globalizar sua moeda. Afinal, é o maior centro de comercialização do Renminbi fora da China continental.

Mas depois de muitos dias de protestos, moradores de Hong Kong passaram a se incomodar com a paralisia econômica que as manifestações dos grupos pró-democracia causavam. Michael DeGolyer, diretor do Projeto de Transição de Hong Kong, que estuda a opinião pública local há anos, explicou ao documentarista Patrick Brown, ex-correspondente em Pequim, que a China tem uma “estratégia anaconda”: uma gigantesca cobra que engole e esmaga a presa. Primeiro as tropas antimotim se recolheram, e depois Pequim anunciou que cortaria o fluxo de turistas da China continental para Hong Kong.

A estratégia era esganar as finanças locais, jogando a opinião pública contra os manifestantes. Há 20 anos, os principais turistas de Hong Kong vinham de países do primeiro mundo. Hoje, a maioria é da China continental. Eles desembarcam em Hong Kong com os bolsos cheios de dinheiro. Em 2013, 50 milhões de turistas da China continental visitaram o território. O turismo foi responsável por cerca de 4% do PIB de Hong Kong e garante 9% do total de empregos.

Quem está satisfeito com o status quo é a elite de Hong Kong, que não tem do que reclamar de sua associação com o Partido Comunista chinês. Os magnatas do território aumentaram sua dominação sobre setores da economia que produzem os maiores lucros como o mercado imobiliário, telecomunicações e transporte. Os dez homens mais ricos da cidade controlam fortunas que somam cerca de U$ 130 bilhões, segundo a revista “Forbes”. Mas essa riqueza não está sendo distribuída. Os salários reais em Hong Kong cresceram menos de 3% na última década. No mesmo período, os preços de residências mais do que triplicaram.

Até agora não há sinais de tanques do Exército, usados por Deng Xiaoping em 1989 no famoso massacre de estudantes na Praça da Paz Celestial, em Pequim. O presidente chinês Xi Jinping procura evitar armadilhas que manchem o seu legado. Ele é obcecado por passar à história como uma versão do século XXI de Deng Xiaoping, mas sem o peso de um massacre nas costas: quer ser um líder que deu continuidade à modernização da China iniciada por Deng.

Por isso, poucos tem apostado as fichas em uma reedição de uma repressão como houve em Pequim há 25 anos, quando Hong Kong ainda estava nas mãos dos britânicos. De lá para cá, a China passou a usufruir de uma imagem positiva no mundo dos negócios, apesar de continuar atropelando os direitos humanos dentro de casa (os tibetanos e os uigures que o digam).

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