Por diana.dantas

Até alguns anos atrás ninguém daria nada por Horgos. Afinal, era uma adormecida vila na fronteira da China com o Casaquistão. Mas tudo mudou depois que Pequim escolheu esse local no noroeste do país, antes esquecido, para ser um imenso centro logístico, de energia e de transportes.

Horgos foi ressuscitada para tornar-se uma espécie de ponta de um iceberg chinês: o Cinturão Econômico da Rota da Seda, anunciado em 2013 pelo presidente Xi Jinping. No sábado passado, o mandatário chinês disse que a nova rota comercial terá um fundo de infraestrutura de US$ 40 bilhões para a construção de estradas, ferrovias, portos e aeroportos.

Horgos é hoje um dos principais cruzamentos desse cinturão mercantil inspirado na Rota da Seda da antiguidade, que ligou o Oriente e o Ocidente, promovendo trocas comerciais e culturais. Essas rotas eram usadas por peregrinos, monges, soldados, nômades, além de mercadores a partir do primeiro século antes de nossa era, quando os romanos descobriram a seda. No final do século 19 o geógrafo alemão Ferdinand von Richthofen batizou essa rede de comunicação que ligava a China ao Ocidente com o nome “Rota da Seda”. Entre os ocidentais que viajaram para o Império do Meio naquela época, o mais célebre foi o veneziano Marco Polo (1254-1324), que relatou suas aventuras no clássico “As Viagens de Marco Polo”.

Ponto de trânsito por vários séculos, Horgos ficou esquecida após a Revolução Russa de 1917, com o estremecimento das relações entre Moscou e Pequim. Mas há dois anos, o governo chinês criou uma zona de livre comércio lá e inaugurou o maior gasoduto do mundo, de quase 9 mil quilômetros, que liga o Turcomenistão às cidades costeiras de Xangai, Cantão e Hong Kong, abastecendo uma área onde vivem 500 milhões de pessoas. Carregamentos já são levados de trem da China para a Europa através de Horgos. Uma viagem até a Alemanha que duraria 40 dias por navio, leva apenas duas semanas por trem, através de Horgos, informou Jeremy Page em um artigo no jornal “ The Wall Street Journal”. Um vale cercado de picos nevados com plantações de lavanda e habitado por quase 90 mil pessoas, Horgos, segundo o jornalista, simboliza o projeto chinês de redesenhar o mapa geopolítico asiático.

O projeto do cinturão chinês inclui, além da parte terrestre, a “Rota da Seda Marítima do Século 21”. Ao anunciar o projeto, Xi Jinping invocou o espírito de Zheng He, um almirante do século 15 que comandou uma frota de navios carregados de tesouros até a África. Ele acabou se transformando em um símbolo do poder marítimo chinês.

O plano prevê a construção ou a expansão de portos e zonas industriais não apenas no Sul e Sudeste da Ásia, mas também no Oriente Médio, na África e até na Europa. Os produtos dos países que integrarão essa rota marítima serão promovidos também por uma plataforma de comércio online, segundo o jornal “China Daily”.

Além do fundo de US$ 40 bilhões anunciado por Xi Jinping, um novo banco de desenvolvimento de infraestrutura da Ásia, bancado pela China, e com o aporte inicial de US$ 50 bilhões, alimentará os projetos. Alguns acadêmicos chineses chegam até mesmo a comparar a iniciativa com o Plano Marshall que ajudou a reconstruir a Europa no pós-guerra.

A agência de notícias “Xinhua” divulgou um mapa mostrando vários novos pontos geográficos do projeto, incluindo Moscou, Dushambe (Tadiquistão), Jakarta (Indonésia) e Colombo (Sri Lanka), sendo que outros países se oferecem para entrar na rota, como o Afeganistão.

O governo chinês está tão empenhado em ressuscitar os tempos em que era o centro do mundo, que tem organizado festivais culturais para promover a iniciativa. Xian, capital da província de Shaanxi, que foi um importante trajeto da antiga Rota da Seda, organizou, em outubro, o primeiro Festival Internacional de Cinema da Rota da Seda, exibindo 31 filmes estrangeiros e 10 chineses. 

A pompa dispensada na organização da cúpula da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec), nesta semana, com Xi Jinping como anfitrião, não deixa dúvida de que os chineses não medem esforços para mostrar que procuram reconquistar a posição perdida. Mas essa reinvenção também tem um lado militar que assusta o mundo. A China tem disputas territoriais e marítimas com todos os vizinhos. Essa agressividade militar fez com que os Estados Unidos lançasse há três anos a sua estratégia “pivô para a Ásia”. A ideia é contrabalançar o poderio chinês. Mas essa estratégia foi deixada na geladeira no segundo mandato de Barack Obama, que tem sido alvo de críticas dentro de casa por causa disso.

Pequim, agora, tenta convencer países da Ásia de que é do interesse deles aceitar uma China poderosa. Em um discurso para executivos no último domingo, Xi Jinping disse que o plano da China é impulsionar o crescimento e prover a infraestrutura na região para ajudar a colocar em prática o “sonho da Ásia-Pacífico”, ecoando o slogan que repete dentro de casa: “o sonho chinês”, que no discurso oficial significa “construir uma sociedade próspera e rejuvenescer a nação”. Mas o fato é que o sonho chinês tem tirado o sono de muita gente.

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