O canal da Nicarágua terá 278 quilômetros de comprimento, com largura entre 230 e 520 metros e 30 de profundidade. Será quatro vezes mais extenso do que o Canal do Panamá
Por diana.dantas
Exatamente um século após a construção do Canal do Panamá pelos Estados Unidos, um enigmático bilionário chinês desembarca na América Central para construir um ambicioso projeto que servirá como ponte entre os oceanos Pacífico e Atlântico. Considerado um dos mais complexos planos de engenharia do mundo, o canal Interoceânico da Nicarágua nasce como um símbolo das ambições estratégicas da China no continente, de olho no comércio de petróleo, gás, minério de ferro e outras commodities da América Latina para a Ásia, e no transporte de seus produtos para a nossa região.
Após 100 anos da construção de seu canal, o Panamá transformou-se no país mais próspero da região. O Canal do Panamá, por onde já passaram cerca de um milhão de navios desde a sua criação, hoje tem eclusas congestionadas. Desde 1934 o volume de mercadoria quase triplicou. O canal foi devolvido ao Panamá oficialmente em 1999 pelo acordo Torrijos-Carter. Mas a influência dos Estados Unidos ainda é evidente: os navios com bandeiras norte-americanas têm prioridade na passagem, deixando os outros cargueiros na fila de espera. Assim, estrategicamente, o Canal do Panamá continua sendo dos Estados Unidos.
Publicidade
A Nicarágua sonha com a mesma prosperidade do Panamá. Por isso, o governo sandinista de Daniel Ortega deu as mãos ao bilionário Wang Jing para construir o canal interoceânico, avaliado entre US$ 40 bilhões e US$ 50 bilhões, quatro vezes o PIB da Nicarágua.
A obra terá 278 quilômetros de comprimento, com largura entre 230 e 520 metros e 30 de profundidade. Será quatro vezes mais extenso do que o Canal do Panamá. O projeto se propõe a captar 5% do transporte do comércio mundial. Quando concluído, em cinco anos, o canal nicaraguense permitirá a passagem de embarcações de 250 mil toneladas e até 455 metros de comprimento.
Nas últimas duas décadas, sucessivos governos propuseram essa obra, prometendo empregos e prosperidade. Na verdade, o sonho do canal é antigo: vem desde os tempos dos colonizadores. A proposta do bilionário chinês, que terá uma concessão de 50 anos renováveis por mais 50, é a 72ª em 450 anos. Mas a falta de fôlego no financiamento melou o sonho dos governantes anteriores. A oferta chinesa veio à luz em junho de 2012, quando o ex-comandante sandinista Daniel Ortega estava a menos de um ano de seu segundo mandato como presidente. O acordo do canal foi aprovado como lei pelo parlamento em junho de 2013.
Manágua diz que o projeto é fundamental para tirar a nação da pobreza. Criaria 50 mil empregos durante os cinco anos previstos da construção e mais de 200 mil empregos após a finalização das obras. A Nicarágua, maior país da América Central, é uma das nações mais pobres do Hemisfério Ocidental.
No dia 22 de dezembro, as obras do megaprojeto foram inauguradas com a presença de Ortega e Wang. “Os chineses que vieram a este país estão aqui para construir uma nação mais brilhante”, afirmou o chinês. Mas muitos não se convenceram disso. Ambientalistas estão preocupados com a escavação de milhões de toneladas de terra e com a possibilidade de haver danos irreversíveis no ecossistema do Lago da Nicarágua, a principal reserva de água doce da América Central.
Mais ainda: calcula-se que cerca de 20 mil pessoas poderão ser afetadas pela construção do canal. Ativistas criticam a ausência de estudos de impacto ambientais e de consultas públicas sobre uma das mais grandiosas obras de engenharia do mundo. Pelo menos 21 pessoas ficaram feridas na terça-feira (29) em confrontos entre polícia e manifestantes que se opõem à obra.
Publicidade
Wang Jing, de 42 anos, conseguiu enriquecer com negócios no setor das telecomunicações. Consta da lista da Forbes como um dos mais ricos da China: está em 12º lugar, com uma fortuna avaliada em US$ 6,4 bilhões. Diretor e sócio majoritário da Honk Kong Nicarágua Development Investment (HKND), empresa registrada nas Ilhas Cayman, Wang Jing é apontado pelos oponentes do canal como uma espécie de testa-de-ferro de Pequim, o que ele nega ser. Mas seus contatos com o governo chinês são de alto nível.
Uma reportagem do site nicaraguense “El Confidencial”, sob o título “A teia de aranha de Wang Jing e a conexão militar com a China”, diz que há uma rede de 15 empresas ligadas ao projeto do canal: cinco nas Ilhas Cayman, sete na Holanda, uma em Hong Kong e uma na China. Os jornalistas Octavio Enríquez e Santiago Villa escreveram no artigo que o exército chinês é um dos principais clientes da empresa de telecomunicações Beijing Xinwei, que Wang Jing preside desde 2011. Uma das charges da reportagem do “El Confidencial” mostra o bilionário chinês vestido como Tio Sam: “Do Tio Sam ao Tio Wang”. Há muitas pedras no caminho do sonho geopolítico chinês na América Latina, que está apenas no início.