É desolador chegar ao século XXI e ler nos jornais notícias de que uma mulher deficiente mental foi linchada por uma multidão em um vilarejo da Nigéria, a principal economia africana, porque as pessoas achavam que ela era uma mulher-bomba enviada pelo grupo islamita Boko Haram. Thabita Haruna, de 33 anos, teve o corpo queimado pela turba por ter se negado a ser revistada na entrada de um mercado da cidade de Bauchi nesta semana. Os terroristas usam cada vez mais meninas e moças nas suas ações covardes, amarrando explosivos em seus corpos. É o mesmo grupo de militantes que sequestrou mais de 200 meninas em uma escola para vendê-las como escravas ou casá-las à força, por serem contrários à educação feminina.
É também desolador ler na internet que o assassino de uma moça indiana estuprada por uma gangue e assassinada em 2012 não demonstra um milímetro de remorso. E mais: três anos depois da barbárie, preso em uma cadeia em Nova Délhi no corredor da morte, ele continua achando que a culpa foi da moça trucidada com um bastão de metal que destruiu seus intestinos. Afinal, ela ousou estar de noite dentro de um ônibus, acompanhada de um amigo, com quem tinha ido ao cinema.
E o governo indiano se preocupa mais em criticar o canal britânico “BBC”, que transmitiu o documentário “As Filhas da Índia”, da diretora Leslee Udwin, na quarta-feira à noite, do que com as declarações chocantes do rapaz. A mentalidade de que a mulher é um objeto inferior e que deve ser oprimida continua viva na sociedade mesmo entre homens e até mulheres jovens. E isso deveria tirar o sono do primeiro-ministro. É preciso muito trabalho no campo da educação para começar a mudar isso. O documentário serve para expor a ferida. O governo indiano, no entanto, prefere colocar um band-aid em cima e seguir adiante.
O que comemorar no domingo, Dia Internacional da Mulher? Há sinais contraditórios de evolução e retrocesso. No sul da Ásia mulheres continuam sendo queimadas com ácido por homens que recebem um “não” às suas propostas de casamento. O curta “Saving Face”, da diretora paquistanesa Sharmeen Obaid-Chinoy, justamente sobre isso, ganhou o Oscar em 2012. Mas ao mesmo tempo, a “BBC” mostrou uma reportagem nesta semana com mulheres paquistanesas sendo treinadas com metralhadoras para lutar contra o Talibã, com o apoio de seus irmãos, pais e maridos. O mesmo fazem as corajosas curdas na Síria, que pegam em armas contra os neandertais do Estado Islâmico (EI). Uma das moças curdas entrevistada contou, com um belo sorriso no rosto: “Eles ( os extremistas do EI) têm mais medo da gente do que dos nossos homens. Eles acham que se forem mortos por uma mulher, não terão direito às virgens no céu”. Viva as curdas!
Mesmo entre as mulheres do primeiro mundo, as injustiças continuam vivas. A atriz Patricia Arquette na cerimônia do Oscar, ao receber o prêmio de melhor atriz coadjuvante pela atuação em “Boyhood”, pediu condições iguais para as mulheres. “É a nossa vez de ter salários e direitos iguais para as mulheres nos EUA” , bradou a atriz, aplaudida pelo público.
Para não ficar apenas nas mazelas, vamos aos sinais otimistas. Nesta semana o Banco Mundial e a ONU divulgaram algumas informações positivas sobre a participação da mulher na política e na economia da América Latina. Entre 2000 e 2010, os ganhos das mulheres foram responsáveis pela redução de 30% da pobreza extrema e da desigualdade da região, destacou o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. As mulheres estão mais bem representadas na política da região do que em outras partes do mundo. “Convido o mundo a seguir o exemplo da América Latina e do Caribe”, disse ele. A região conta com uma parlamentar para cada quatro homens. No resto do planeta, esta relação é de uma para cinco.
Na América Latina e no Caribe há cinco mulheres governantes. São elas Michelle Bachelet (Chile), Dilma Rousseff (Brasil) Cristina Kirchner (Argentina), e as primeiras-ministras Portia Simpson (Jamaica) e de Kamla Persed-Bissessar (Trinidad e Tobago). Mas o secretário-geral da ONU lamentou o fato de que nenhum país do mundo exibe absoluta paridade entre homens e mulheres, duas décadas após a Conferência Mundial da Mulher, em Pequim. No Chile de Bachelet várias mulheres ocupam cargos importantes. O Senado, a Central Única de Trabalhadores e a cidade de Santiago são liderados por mulheres. Mas a participação delas no Congresso é de 16%, abaixo da média latino-americana, que chega a 21%.
Sri Mulyani Indrawati, doutora em economia pela Universidade de Illinois e chefe de Operações do Grupo Banco Mundial, destacou em artigos publicados em vários jornais do mundo nos últimos dias que boa parte da mudança na América Latina se deu por conta da ascensão feminina. Mais de 70 milhões de mulheres entraram para o mercado de trabalho nos últimos anos e isso se deve a um nível educacional melhor, ao casamento tardio e à menor taxa de fertilidade. Mas a região ainda amarga muitos problemas, como violência de gênero e gravidez na adolescência. A libertação feminina está na educação. Não é à toa que milícias como o Boko Haram e o Talibã tem como alvos as escolas de meninas.