Por diana.dantas

Vamos aos fatos. Os Estados Unidos não estão e nunca estiveram minimamente preocupados com os direitos humanos na América Latina, muito menos na Venezuela, que vive de fato uma crise preocupante e precisa urgentemente de atores diplomáticos honestos para tentar intermediar um diálogo entre o governo de Nicolás Maduro e os oposicionistas. Na segunda-feira, a Casa Branca anunciou uma segunda leva de sanções contra várias autoridades do país, alegando que está “profundamente preocupada” com os esforços de Caracas de aumentar a intimidação sobre os opositores do governo Maduro e com a situação dos direitos humanos após os conflitos do ano passado entre manifestantes e forças de segurança que resultaram em 43 mortes. O anúncio das sanções foi feito, coincidentemente, dois dias antes de o Chile lembrar os 25 anos da queda de um dos maiores ”big brothers” históricos de Washington: o general Augusto Pinochet, cuja ditadura, que matou mais de três mil pessoas, chegou ao poder por operações secretas da CIA.

Após Maduro ter acusado Washington de planejar desestabilizar o seu governo, alimentando os oposicionistas mais radicais, a porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Jen Psaki, deu uma entrevista, no dia 13 de fevereiro, que causou repercussão pelo diálogo travado com o jornalista

Matthew Lee, da Associated Press. Lee pergunta a reação à acusação de Maduro e Psaki responde: “É uma política duradoura dos EUA não apoiar transições políticas por meios não constitucionais. Transições políticas devem ser democráticas, constitucionais, pacíficas e legais”. O veterano jornalista não conteve o espanto: “Uau, uau, uau! Os EUA têm uma prática duradoura de não promover...o que você disse mesmo?”. Psaki, visivelmente desconcertada, percebe a gafe e tenta fugir do debate dizendo que sua intenção não era entrar na questão histórica. Lee pergunta: “Duradouro significa 10 anos neste caso?”. Ela tenta sair pela tangente novamente dizendo que falava apenas sobre a acusação atual da Venezuela. “Eu entendo, mas você falou sobre uma prática duradoura dos EUA e isso depende da sua definição de longa data”. Talvez Lee tivesse em mente o fato de que, há 13 anos, os EUA apoiaram o golpe-relâmpago fracassado contra Hugo Chávez na Venezuela...

Pode-se gostar ou não de Maduro. Com certeza, ele não é hábil politicamente. Não satisfeito com sua montanha de problemas, ele ainda troca acusações contra uma autoridade do Uruguai, país que só teria a contribuir para a resolução do imbróglio em seu país. Mas o fato, comprovado por documentos, é que os EUA têm um imenso know-how em desestabilizar governos eleitos democraticamente através de operações secretas da CIA. Quem quiser se aprofundar mais sobre o conceito de “democracia” dos EUA na América Latina e como a CIA é especialista em derrubar políticos que não rezam pela cartilha de Washington, pode ler o excelente livro “Fórmula para o caos: a derrubada de Salvador Allende, 1970-1973”, de Luiz Alberto Moniz Bandeira. O autor conta em detalhes, com base em documentos, como a CIA tentou evitar a eleição do socialista Allende e depois o derrubou, por meio de um leque extenso de ações. Entre elas, uma gorda campanha de propaganda para demonizar os socialistas com o apoio da mídia cooptada.

É só dar uma passada de olhos na “folha corrida” dos EUA no quesito direitos humanos para perceber que esse assunto nunca tirou o sono dos mandatários em Washington. Eles são os primeiros a beijar as mãos dos reis sauditas, grandes aliados do outro lado do mundo, e cujo passatempo preferido é chicotear blogueiros que os criticam e esmagar os direitos das mulheres. Recentemente, o presidente Obama estava em uma viagem à Índia e a encurtou para voar para a Arábia Saudita. Ele queria prestar condolências à família real pela morte do Rei Abdullah. “Absolutamente ninguém espera que o ‘profundamente preocupado’ presidente Obama imponha sanções à Arábia Saudita, nem a qualquer outro aliado leal dos EUA, do Egito aos Emirados Árabes Unidos, cuja repressão de seus governos é muito pior do que a da Venezuela”, observa o jornalista Glenn Greenwald, premiado com o Pulitzer por suas revelações sobre espionagem da NSA, com base nos documentos de Edward Snowden. Vale a pena ler seu artigo: “Maybe Obama’s Sanctions on Venezuela are Not Really About His “Deep Concern” Over Suppression of Political Rights” (“Talvez as sanções de Obama à Venezuela não estejam realmente ligadas à sua ‘profunda preocupação’ com a supressão de direitos políticos”, em tradução livre, publicado no site “The Intercept”. O jornalista observa que a Venezuela é um dos poucos países com significativas reservas de petróleo que não se submete aos ditames dos EUA, “ e isso não pode ser permitido (esses países estão sempre no topo da lista do governo e da mídia americana como alvos para serem demonizados)”.

A hipocrisia americana quanto à “preocupação” com os direitos humanos é comprovada por tantos exemplos que fica difícil escolher. Mas vamos ao Egito, onde o atual presidente Abdel Fattah el-Sisi passa o rolo compressor sobre seus cidadãos. “Os EUA estão comprometidos em fortalecer sua parceria de longo prazo com o Egito. Nós continuamos a trabalhar juntos com o governo egípcio para ajudar a criar empregos, crescer a economia, educar os jovens, melhorar o acesso à saúde e ajudar a concretizar as aspirações do povo egípcio por uma atmosfera política pacífica”, afirmou Jen Psaki, recentemente.

Ativistas de direitos humanos calculam que haja 40 mil presos políticos em campos de concentração e penitenciárias no Egito, após Sisi, o “amigo de Washington”, ter assumido o poder em 2013. Forças de segurança já mataram 1.500 pessoas por lá. Maduro é criticado pelas 43 mortes do ano passado, ironicamente o mesmo número de estudantes massacrados em setembro por narco-traficantes apoiados por políticos, no México do presidente Enrique Peña Nieto, outro “muy amigo” de Washington.Torturas, desaparecimentos e assassinatos, acusa a ONU, são práticas generalizadas no México. Mas, nessas práticas, os EUA também tem um know-how imbatível, especialmente no nosso continente.

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