Por diana.dantas

O vozerio é alto nas ruas latino-americanas. Protestar é o verbo do momento, do México ao Chile, seja contra a violência, ou por educação. Cidadãos cada vez mais exigentes cobram mais de seus governantes. A região tirou da pobreza, durante os anos dourados do boom das commodities, quase 50 milhões entre 2000 e 2010. Essa classe média emergente quer avançar. A geração anterior, ainda com a memória fresca dos regimes autoritários, tinha certamente expectativas menos ambiciosas com relação a seus líderes. O Chile de Michele Bachelet é talvez o exemplo mais evidente dessa panela de pressão popular.

Apresidente de centro-esquerda, eleita para um segundo mandato no ano passado, se comprometeu a enterrar o entulho do ditador Augusto Pinochet (1973-1990) com seu programa de reformas. Uma delas, a da Educação. Mas ela se depara com um movimento de estudantes, aliado com o de professores, que exige mudanças mais profundas do que ela oferece. Sob Pinochet, a educação pública foi negligenciada e o país viu a proliferação de escolas e faculdades privadas.

Há alguns anos, alunos e mestres reivindicam uma educação pública, gratuita e de qualidade. Eis que a reforma foi aprovada em janeiro. Seus principais pontos são a proibição da seleção de alunos em escolas subvencionadas pelo governo e o financiamento compartilhado com as famílias, além da eliminação do lucro dos donos de colégio. Estas escolas subvencionadas abrigam mais da metade dos estudantes chilenos. “Estamos começando a reforma educacional mais importante dos últimos 50 anos”, anunciou então a presidente chilena, afirmando que ela “acolhe as reivindicações que foram levadas para as ruas”. No dia 19 de maio, Bachelet assinou o primeiro projeto da reforma, um dos principais pilares de seu governo. Mas o que a presidente socialista vem propondo não pareceu suficiente para os alunos. Eles querem mais. O movimento estudantil diz que a reforma acolhe só parcialmente suas demandas para acabar com o sistema desigual criado na ditadura.

O futebol, grande paixão do continente, serviu como gancho para os protestos. Um enorme troféu dourado com a frase “Copa da Gratuidade” foi levantado na quarta-feira (10) por milhares de manifestantes para pressionar a presidente na véspera da abertura da Copa América-2015, com a participação de seleções de 10 países da América do Sul. A Federação de Estudantes da Universidade do Chile passou a liderar o movimento nas redes sociais #CopaAmericaDeLaEducacacion. “Vamos aproveitar essa vitrine para dizer ao mundo todo que o Chile precisa com urgência de educação gratuita”, disse Javiera Reyes, vice-presidente da entidade. Dito e feito. Em uma forma criativa de protesto, cerca de mil estudantes lançaram na quinta-feira 100 bolas na direção da polícia, interrompendo o trânsito no centro de Santiago.

Enquanto isso, a presidente participava da 2ª Cúpula União Europeia-Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), em Bruxelas. A governante socialista vive um momento difícil. Além da panela de pressão dos estudantes, ela teve sua imagem muito arranhada devido a um escândalo de corrupção que envolveu o filho e sua esposa, acusados de “uso de informação privilegiada” e “tráfico de influências” em um negócio imobiliário fechado pela empresa da qual a nora presidencial tem 50% das ações. No mês passado, uma investigação paralela sobre corrupção provocou a saída de dois ministros: o do Interior e o responsável pelas relações com o Congresso. A avalanche de notícias ruins já fez Bachelet, com a popularidade corroída, admitir que sua imagem foi atingida em cheio.

Outros governantes latino-americanos também sentem a força da opinião pública, como Enrique Peña Nieto, do México, atingido não só por escândalos de corrupção, mas também pela revolta dos mexicanos contra a violência promovida pelo narcotráfico, que conta com a conivência de políticos e de forças de segurança. As manifestações contra o desaparecimento, em setembro passado, dos 43 estudantes no estado de Guerrero (entregues pela polícia a narcotraficantes que os trucidaram), o perseguiram até mesmo em Bruxelas, na cúpula da UE e Celac. A eleição legislativa do último dia 7 de junho, realizada em meio a protestos, assegurou maioria simples a seu partido no Congresso, mas enviou mensagens de cansaço da população. Um sinal disso foi a vitória do primeiro governador independente da história do México: Jaime Rodriguez, conhecido como El Bronco, no industrializado estado de Nuevo León, expulsando do poder local o Partido Revolucionário Institucional (PRI) de Peña Nieto.

Na Guatemala, há 10 dias, cerca de 20 mil pessoas saíram em protesto na praça central da capital para exigir a renúncia do presidente Otto Pérez Molina, que perdeu vários dos seus principais colaboradores por envolvimento em escândalos de corrupção. Na mesma época, no Peru do presidente Ollanta Humala Tasso, violentas manifestações de mineiros insatisfeitos e agricultores que exigiam a proteção ao meio ambiente obrigaram o governo a decretar estado de emergência na região histórica de Arequipa. A América Latina está em ponto de ebulição.

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