Paris - Cientistas detectaram pela primeira vez lesões e má-formação cerebral produzidas pelo vírus da zika no feto de uma macaca grávida. O estudo, publicado nesta segunda-feira, na revista Nature Medicine, foi liderado por cientistas da Universidade de Washington (UW), em Seattle (Estados Unidos).
Segundo os autores, outros pesquisadores já haviam desenvolvido modelos de estudos da infecção por zika em macacos, mas até agora as anomalias cerebrais, como a microcefalia, observadas em fetos de mulheres infectadas pela zika, ainda não haviam sido registradas em primatas não-humanos.
"Nossos resultados descartam qualquer dúvida que pudesse restar sobre o fato do vírus da zika ser incrivelmente perigoso para os fetos em desenvolvimento, fornecendo detalhes minuciosos sobre como os danos cerebrais se desenvolvem", afirmou a autora principal da pesquisa, Kristina Adams Waldorf, médica e pesquisadora da UW.
Os cientistas infectaram uma macaca da espécie Macaca nemestrina com o vírus da zika no segundo trimestre de gravidez. Embora o animal não tenha apresentado sintomas da doença - como acontece com a maioria dos pacientes humanos -, o feto desenvolveu anomalias cerebrais e, nos primeiros 10 dias após a infecção, apresentou evidências de retardamento do desenvolvimento cerebral.
Embora os resultados do estudo estejam limitados a um só animal, os autores afirmam que o Macaca nemestrina poderá ser um modelo útil para estudar a progressão da infecção por zika em humanos e para testar candidatas a vacinas ou terapias.
"Esse estudo nos deixa mais próximos de determinar se uma vacina ou terapia para a zika serão capazes de impedir os danos cerebrais no feto, mas também se elas serão seguras para serem administradas durante a gravidez", declarou Kristina.
De acordo com outro dos autores, Michael Gale, professor de imunologia da UW, o estudo seguiu o chamado Postulado de Koch, que estabelece critérios para determinar se um microrganismo é ou não o agente causador de uma doença ou síndrome.
"Essa é a única evidência direta mostrando que o vírus da zika pode cruzar a placenta na fase tardia da gravidez e afetar o cérebro do feto desativando alguns aspectos do desenvolvimento cerebral", afirmou Gale.
Outra das autoras, Lakshmi Rajagopal, professora de Pediatria da UW, afirma ter ficado "chocada" quando viu a primeira imagem de ressonância magnética do cérebro do feto 10 dias após a inoculação do vírus. "Não havíamos previsto que uma área tão grande do cérebro do feto sofreria danos tão rapidamente", afirmou.
Segundo Lakshmi, os resultados da pesquisa sugerem que uma terapia para impedir danos no cérebro dos fetos deveria ser uma vacina, ou um medicamento profilático aplicado no momento da picada do mosquito, para neutralizar o vírus. "No momento em que uma mulher grávida desenvolve os sintomas, o cérebro do feto já pode ter sido afetado e sofrido danos graves."
Para Gale, o novo estudo revela de forma conclusiva que o vírus zika realmente cruza a placenta da mãe e penetra no cérebro do feto. De acordo com ele, o nível de infecção viral detectado no cérebro do feto foi mais alto que o do organismo da mãe.
Saber quanto tempo o vírus permanece no sistema durante a gravidez e o desenvolvimento do feto era uma questão fundamental, segundo Gale. O cientista explicou que a presença do vírus da zika, de certa forma, perturba o equilíbrio normal do desenvolvimento do cérebro, levando-o a construir estruturas de apoio em demasia, fazendo-o, ao mesmo tempo, produzir uma quantidade insuficiente de estruturas de células nervosas.
Isso altera o formato, o tamanho e a função do cérebro, segundo Gale. O vírus da zika utilizado no estudo é de uma linhagem isolada em 2010 no Camboja e que, segundo os autores, é geneticamente praticamente idêntica à linhagem encontrada atualmente no Brasil.