Damasco e Astana - O conflito na Síria completou, nesta quarta-feira, seis anos com um saldo de mais de 321 mil mortos e milhões de refugiados, pautando até o governo de Donald Trump, que se baseia na instabilidade da região para barrar muçulmanos.
A data foi ainda mais amarga em Damasco: atentado suicida tinha matado, até o fechamento desta edição, 39 pessoas. O fim da guerra, em cujo vácuo cresceu o Estado Islâmico, é difícil de vislumbrar, apesar do avanço no terreno das forças leais ao presidente Bashar Al-Assad e às tentativas de negociação. Mas nesta quarta, no Cazaquistão, terminou sem êxito a terceira rodada de conversas sobre a trégua.
O último ano foi marcado pela recuperação total do controle de Aleppo, QG dos jihadistas na Síria e maior cidade do norte do país, pelo Exército nacional, que contou com o respaldo da aviação russa, em sua ofensiva do fim de 2016. Ter tomado Aleppo foi o maior golpe dos soldados e Assad aos opositores e ao Estado Islâmico e permitiu cessar-fogo e diálogos.
A oposição, contudo, vem minando as conversas. O chefe da delegação opositora nas negociações de Astana, Mohammed Alloush, enumerou série de razões para justificar o boicote, mas destacou como a principal a evacuação forçada do bairro de Al Waer, única região com presença insurgente na cidade central de Homs.
Também acusou Moscou e Damasco de descumprir muitas de suas promessas incluídas no acordo da trégua: o fim dos bombardeios contra posições da oposição, a libertação de presos e o fim das ações militares em Ghouta Oriental (região de Damasco), entre outras.
Para tentar entender
A guerra na Síria vai muito além do embate entre rebeldes e o governo. Embora esta seja a principal disputa, o país hoje é um caldeirão em que centenas de etnias e religiões tentam garantir seu espaço diante de um governo que, em 2011, no embalo da Primavera Árabe, parecia sucumbir. Hoje, com o apoio russo, Assad está mais forte do que há seis anos.
A complexidade se dá porque, muitas vezes, A e B são aliados, mas A é inimigo de C, que é aliado de B. Tudo se complica mais com o envolvimento de outros estados, que travam uma guerra por procuração em território sírio , e do Estado Islâmico.
Quase 70 mortos em duas ações
O Palácio da Justiça, imponente construção vizinha do Mercado de Hamidiye, bazar do Centro de Damasco, foi alvo de um homem-bomba pela manhã. Pelo menos 39 pessoas morreram. “O local estava abarrotado de civis inocentes”, lamentou o chefe do Departamento de Polícia da capital, Mohammed Jeir Ismail.
“O terrorista estava com uniforme militar e carregava uma metralhadora e uma granada. Quando lhe deram a ordem para parar, correu para o hall e se detonou”, relatou Ismail. No norte da Síria, bombardeios mataram 25 pessoas, entre elas 14 crianças em Idlib.
O desafio dos médicos
Os Médicos Sem Fronteiras divulgaram ontem relatório em que enumeram as dificuldades para tratar dos sírios em meio aos confrontos. “Todas as partes envolvidas no conflito, países vizinhos e atores internacionais precisam permitir o acesso de ajuda humanitária e não a usar como ferramenta política”, afirma Pablo Marco, coordenador das operações dos MSF para o Oriente Médio.
A guerra provocou êxodo de médicos. Nas cidades, os poucos que ficaram precisam trabalhar em subsolos, onde faltam instrumentos e insumos básicos. “Os pacientes evitam ficar nos hospitais. Há pouco tempo para atendê-los, o que traz mais risco de erros médicos”, diz o relatório. “Ataques aéreos impedem campanhas de vacinação, e não há oferta de planejamento familiar, cuidados de saúde mental e tratamento de doenças crônicas”, completa a entidade.