Por caio.belandi

Porto - Nesta semana, uma polêmica decisão da Justiça ganhou as manchetes dos jornais de Portugal. Para fundamentar a decisão de um caso de violência doméstica praticada contra uma mulher, na cidade do Porto, o juiz minimizou a sentença do agressor pelo fato de ela ter cometido adultério.

O assunto teve muita repercussão e mais de 7 mil pessoas já haviam assinado, até o final da manhã desta quarta-feira, uma petição pedindo ao Conselho Superior de Magistratura (CSM) e ao Provedor de Justiça que se manifestem sobre o caso. O autor da sentença é Joaquim Neto de Moura, desembargador do Tribunal da Relação do Porto.

O texto da petição afirma que “a desigualdade e a subalternização das mulheres é uma realidade quotidiana da sociedade portuguesa. Mas não contávamos vê-la, assim, expressa de uma forma tão óbvia e tão indigna por parte de um órgão de soberania. Indigna para mulheres, indigna para homens”.

O acórdão assinado pelo juiz no dia 11 de outubro, afirma que a conduta dos agressores ocorreu em um contexto de adultério praticado por uma mulher e traz uma citação da Bíblia para justificar a violência cometida. “Ora, o adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte”, afirmou o juiz, na polêmica sentença.

O acórdão diz ainda que o adultério é uma conduta que a “sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras) e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher. Foi a deslealdade e a imoralidade sexual da assistente que fez o arguido cair em profunda depressão e foi nesse estado depressivo e toldado pela revolta que praticou o ato de agressão”.

Em uma decisão de junho de 2016, em outro caso, o mesmo desembargador já havia escrito que “uma mulher que comete adultério é uma pessoa falsa, hipócrita, desonesta, desleal, fútil, imoral. Enfim, carece de probidade moral”. E concluiu que “não surpreende que recorra ao embuste, à farsa, à mentira para esconder a sua deslealdade e isso pode passar pela imputação ao marido ou ao companheiro de maus tratos”.

Entidades repudiam texto

Após a ampla divulgação da sentença, a sociedade civil e entidades de defesa dos direitos humanos mostraram preocupação com a legitimação e o incentivo de comportamentos violentos contra mulheres, usando como justificativas possíveis adultérios.

Entidades como a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima e o próprio Conselho Superior de Magistratura vieram a público alertar sobre a necessidade de se respeitar os valores expressos na Constituição portuguesa.

A Amnistia Internacional Portugal expressou a preocupação “não só pela atuação dos juízes desembargadores ao arrepio dos preceitos legais e constitucionais, mas pelo espelhar de uma cultura e justiça promotora de misoginia, sem ter em conta os direitos das mulheres, e como recurso à compreensão da violência para vingar a honra e a 'dignidade do homem'”.

O texto ressalta ainda que Portugal está vinculado não só aos tratados internacionais de direitos humanos dos quais é parte, mas também às obrigações previstas na Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica, conhecida como Convenção de Istambul.

Caso envolve marido e possível amante

O processo diz respeito a dois homens: o marido e um amante, com quem a mulher teria tido uma relação durante dois meses. Ambos tiveram as penas de prisão suspensas pelos crimes de violência doméstica, detenção de arma proibida, perturbação da vida privada, injúrias, ofensa à integridade física e sequestro. A ação narra que a mulher terminou as duas relações e, depois, os homens a ameaçaram, ofenderam, perseguiram, e a espancaram com um pedaço de madeira com pregos nas pontas. O documento traz a descrição de diversos ferimentos por todo o corpo, inclusive com corte no rosto que teve de ser suturado.

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