Em 7 de novembro de 2011, um Boeing 737-800 da United Airlines decolou de Houston para Chicago, nos Estados Unidos. Seria apenas outro voo normal se o combustível utilizado não fosse — pela primeira vez na história da aviação — um produto derivado do óleo de microalgas. Produzido pela Solazyme, o biocombustível é apenas uma parte do portfólio de produtos da empresa americana de biotecnologia, que iniciou no fim do mês passado as operações de sua maior fábrica, instalada no município de Orindiúva, no Oeste Paulista. O empreendimento é resultado de uma joint venture com a gigante do agronegócio Bunge.
Num prazo máximo de 18 meses, a unidade estará funcionando com sua capacidade máxima, que é de 100 mil toneladas de óleos de microalgas por ano. Embora não divulgue o volume fabricado atualmente, a Solazyme já tem contratos de fornecimento firmados com a Unilever, para uso dos óleos na produção de sabonetes na fábrica de Valinhos (SP), da multinacional anglo-holandesa. Mas os usos comerciais dos óleos de microalgas são ultrapassam os limites dos segmentos de biocombustíveis e higiene pessoal. Em 2014, o creme anti-idade Genius, da Algenist (linha de cosméticos, da Solazyme, em parceria com a Sephora) foi premiado pela edição francesa da “Marie Claire” como melhor cosmético do ano.
A fábrica no Brasil fornece, também, lubrificantes industriais. “A grande força da Solazyme é a flexibilidade para usar sua capacidade industrial de acordo com a estratégia comercial”, afirma Walfredo Linhares, diretor geral da Solazyme no Brasil. A flexibilidade é tanta que — dependendo do tipo de microalga utilizado — o produto final pode ser, por exemplo, um óleo para fritura ou outras aplicações na indústria de alimentos.
O trunfo da empresa, baseada no Vale do Silício, não está no processo industrial utilizado: os óleos são produzidos a partir do açúcar consumido pelas microalgas em fermentadores (grandes tanques de fermentação). A fonte do açúcar pode ser tanto a cana como o milho e a celulose, entre outras matérias primas. “A microalga é um organismo unicelular que acumula naturalmente óleo toda vez que sofre alguma situação de estresse”, explica Linhares. O segredo está no tipo de microalga utilizado. Por meio de processos seleção de indivíduos, a Solazyme escolheu as variedades mais adequadas (ou mais adaptáveis) para a produção de diversos tipos de óleo.
A partir dessa seleção, foram realizados processos de otimização genética que permitem às microalgas produzir óleo de coco, palma, mamona e dendê, entre outros. São óleos muito mais adequados a uma aplicação industrial do que aqueles produzidos na natureza, já que as ligações de enzimas ou proteínas podem ser modificadas em laboratório. “O óleo não tem nada de geneticamente modificado, nem qualquer pedaço de alga”, ressalta o diretor geral da Solazyme no Brasil.
Fundada há 11 anos, a Solazyme conta atualmente com mais duas unidades industriais, uma em Peoria (no estado americano de Illinois) e outra em Clinton (no Iowa, também nos Estados Unidos). A primeira tem capacidade para fabricar duas mil toneladas de óleos por ano e a segunda — uma parceria com o conglomerado Archer-Daniels-Midland Company (ADM) — produz até 20 mil toneladas/ano. Antes da entrada em operação dessas duas unidades, a companhia chegou a produzir em 2007 numa planta terceirizada, para atender um contrato firmado com a Marinha americana para fornecimento de diesel e combustível de aviação. Com prazo definido, o contrato não está mais em vigor. “A Marinha americana é a maior consumidora do mundo de combustíveis”, diz Linhares.
A opção pela fábrica no Brasil, de longe a maior operação da Solazyme, foi resultado de um conjunto de fatores. Além de ser a sétima economia do mundo, o país sofreu nos últimos anos uma transformação qualitativa no seu mercado consumidor, com a incorporação da nova classe média e a demanda crescente por produtos mais sofisticados, argumenta o executivo. O sucesso das negociações com a Bunge foi outro fator determinante, assim como a excelência do Brasil na produção de cana-de-açúcar. “Além do acesso à matéria-prima, a produção de cana no Brasil tem uma ‘pegada’ de baixo carbono que tem tudo a ver com os princípios e os valores da Solazyme”, sustenta Linhares, lembrando que em muitas usinas de cana-de -açúcar 100% da energia consumida é produzida por cogeração a partir do bagaço da planta.