Por marta.valim

Em março deste ano, a central de relacionamento da Netshoes recebeu uma sugestão, vinda de um garoto de dez anos, para alterar o uniforme do time alemão de futebol Borussia Dortmund. Apesar de inusitado, não foi o pedido que chamou a atenção da empresa e sim a forma escolhida pelo menino João Pedro para se comunicar com a loja virtual: uma carta, escrita por ele próprio, que continha inclusive o desenho do uniforme alternativo para o clube europeu. O caso de João Pedro — que acabou premiado pela Netshoes com um kit esportivo personalizado — ilustra o esforço da varejista online para se diferenciar da concorrência num mercado em que o comércio eletrônico é commodity.

Na contramão das tendências de terceirização do atendimento, a empresa optou por ter um call center próprio, com 420 funcionários. Como parte de uma estratégia pouco comum na indústria de call centers, a Netshoes provê um plano de carreira para seus agentes de relacionamento, como são chamados internamente. O objetivo é manter o turnover (rotatividade de funcionários) num nível baixíssimo. “É mais barato manter o cliente que já comprou com você do que conquistar um novo”, resume Marcos Paulo Pereira Perfeito, gerente geral no Brasil da consultoria canadense WSI, especializada em marketing digital. “Certamente é mais caro manter uma equipe de atendimento própria, mas isto permite à empresa se diferenciar e até cobrar um preço mais premium, o que nem é o caso da Netshoes.”

O time de agentes de relacionamento representa pouco mais de 20% do efetivo total de dois mil colaboradores da Netshoes, que inclui também equipes próprias de TI. Até mesmo as fotos e vídeos dos 40 mil produtos comercializados pela empresa são feitas dentro de casa. A varejista dispõe de quatro estúdios próprios, localizados em seus três centros de distribuição (dois em São Paulo e um no Recife). Não seria mais barato contratar uma agência de publicidade para fazer o trabalho? “Alguns produtos, como os tênis, são escaneados por dentro, para a montagem de modelos 3D. As imagens que captamos permitem a visualização 360° do produto”, explica Graciela Kumruian Tanaka, diretora de Operações (COO) da Netshoes.

Os modelos 3D permitem comparar dois tênis distintos para checar onde cada um deles pode apertar ou não o pé do cliente. “Se publicamos uma foto de uma modelo vestindo um determinado produto, normalmente dizemos: essa modelo tem 1,70 metro, pesa 60 quilos e vestiu tamanho M”, diz Graciela. Esse e outros artifícios digitais têm a função de dissipar um dos principais receios do cliente que compra roupas e calçados pela internet: o de que a peça fique muito larga ou apertada demais.

Outro fator determinante é o atendimento pré-venda, destaca Maurício Salvador, presidente da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico(ABComm).“A Netshoes tem um serviço de venda assistida por especialistas”, lembra ele. São professores de educação física que dão dicas sobre esportes ou atividades físicas específicas. “O atendimento é, cada vez mais, uma ferramenta de diferenciação no comércio eletrônico”, afirma Salvador. Num mercado como o brasileiro, em que 50% dos boletos emitidos em sites de comércio eletrônico nunca são pagos, o atendimento é vital para a recuperação dos carrinhos de compras abandonados, sustenta o presidente da ABComm.

Uma das formas de recuperação desses carrinhos extraviados é o disparo automático de e-mails por um robô (software). No caso da Netshoes, são robôs que fazem — inicialmente — a ponte entre o cliente e os operadores logísticos responsáveis pela entrega dos produtos adquiridos no site. “Investimos na integração dos nossos sistemas com o das transportadoras para permitir o rastreamento total do produto. Com isso, o cliente é atendido sem fila: 50% ficam satisfeitos com a resposta inicial”, conta Graciela.

Fundada pelo descendente de armênios Marcio Kumruian em 2000, a Netshoes chegou a ter sete lojas físicas, todas fechadas em 2007. A estratégia de Kumruian — que montava computadores nos fins de semana para aumentar sua renda — de priorizar as vendas pela internet transformou a empresa na maior varejista online de artigos esportivos no mundo, segundo o portal Internet Retailer. Aberta em 2002, a loja virtual faturou R$ 1,3 bilhão no ano passado — 3,5 vezes mais do que a receita obtida em 2011. A marca está associada ao conceito de “sportainement”, que mistura esporte e entretenimento, buscando atrair tanto praticantes de atividades físicas como simples torcedores. “No Brasil, as empresas de comércio eletrônico ainda têm bastante margem, já que somos uma economia fechada e há menos players no e-commerce”, avalia Paulo Vicente Alves, professor da cadeira de Estratégia da Fundação Dom Cabral.

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