Por monica.lima

A ofensiva da francesa Lactalis sobre o mercado brasileiro coloca o país na linha de frente do duelo entre as gigantes globais da indústria de laticínios, que vêm sofrendo com a crise em seus mercados de origem. Com a aquisição da divisão láctea da BRF, negócio de R$ 1,8 bilhão, a Lactalis amplia acesso a um mercado em crescimento, que pode lhe render alguns pontos no ranking das maiores empresas mundiais do setor, encabeçado pela suíça Nestlé — a francesa ocupa a terceira posição, atrás da conterrânea Danone, segundo dados elaborados pelo Rabobank.

“Mais uma vez, as gigantes Nestlé, Danone e Lactalis estão no topo da lista”, afirmou Tim Hunt, analista do Rabobank, no relatório em que o ranking foi divulgado. “Mas continuamos a ver essas companhias com crescimento menor do que seus pares”, completa ele, citando empresas chinesas entre as que vêm apresentando crescimento maior. O ano de 2013, diz o texto, foi desafiador para as empresas de laticínios, com vendas estagnadas nos mercados da Organização para Cooperação no Desenvolvimento Econômico (OECD).

Por isso, a saída para o crescimento tem sido comprar outras companhias — apenas no ano passado, foram 124 operações de fusão e aquisição no setor. Com sua terceira aquisição no Brasil, dizem especialistas, a Lactalis reforça presença em um mercado com grande potencial de crescimento orgânico e que passa por um momento de modernização, duas décadas após o fim do controle estatal de preços. O consumo per capita de leite e derivados no Brasil cresceu 21% desde 2008, chegando a 172 quilos por habitante por ano, valor ainda abaixo das recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), de 210 quilos por habitante por ano.

A transação com a BRF garante à Lactalis marcas importantes, como Batavo e Elegê, que se somam à marca Parmalat, adquirida no exterior em 2011, e a produtos da Balkis, sua entrada na produção brasileira, em 2013. Dados sobre market share são difíceis de obter, mas a expectativa é que, com as novas operações, a francesa ganhe porte para ameaçar a liderança da Nestlé.

Segundo Daniel Bedoya, analista do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da USP, a produção brasileira caiu pouco na entressafra deste ano e parece atingir um novo patamar, impulsionada pelos altos preços pagos ao produtor no ano passado. Além disso, o espaço para aumento de produtividade é expressivo: mais da metade dos produtores nacionais têm índices de produção abaixo dos 4 litros por animal ao dia, cinco vezes menor do que a média norte-americana, segundo o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Leite, Jorge Rubez.

“Aparentemente, haverá pouca importação no Brasil no segundo semestre, enquanto os exportadores tentarão encontrar espaço para a produção brasileira na região e além”, reforça relatório do Rabobank. Com um mercado de 33 milhões de litros por ano, as importações brasileiras não passam da casa de 1 milhão de litros. Cenário que pode justificar o valor da operação. “O valor pago pela Lactalis ficou acima do esperado, provavelmente devido à posição estratégica que estes ativos têm para a companhia francesa”, diz Lucas Marins, analista da Ativa Corretora.

Duas décadas após após a liberação, o mercado brasileiro de leite ainda encontra resquícios do período de controle de preços, com grande pulverização na produção e no processamento, mas começa a passar por um processo de depuração. O número de produtores, por exemplo, caiu à metade do registrado na década passada, para cerca de 600 mil (ainda seis vezes mais do que nos Estados Unidos), em uma estratégia para ganhar escala e reduzir custos de frete. A expectativa do mercado é que, com a disputa entre gigantes globais, a indústria também inicie um processo de consolidação.

Você pode gostar