Momentos pouco favoráveis já fazem parte da trajetória de Marco Stefanini. Em 1987, quando o geólogo fundou a Stefanini – companhia de serviços de tecnologia da informação (TI) -, o Brasil vivia uma das piores crises da sua história. Em quase trinta anos de operação, a empresa sobreviveu a uma série de desafios econômicos e tecnológicos para se consolidar como uma das poucas multinacionais brasileiras do setor, presente em 33 países e com uma receita de R$ 2,11 bilhões. Em entrevista ao Brasil Econômico, o executivo traça paralelos dessa caminhada bem-sucedida com o cenário atual de adversidades do país. Para Marco, o Brasil precisa dar um salto de gestão e de eficiência operacional, e rever o seu modelo de crescimento. “Eu gostaria que, qualquer que seja o governo, não importa de qual partido, priorizasse essa agenda. Será um desperdício se perdermos essa oportunidade, pois corremos o risco de regredir”.
Como a Stefanini está se adaptando a esse momento mais difícil?
Tivemos vários momentos, tanto tecnológicos como econômicos, em que tivemos que rever o nosso modelo, nossa oferta e estamos vivendo isso nesse momento. Tivemos um momento de expansão muito significativo, de 2008 a 2012. A partir de 2013, estamos nos reorganizando internamente, pelo tamanho que nós atingimos. Pelo cenário que o Brasil e o mundo também estão exigindo em termos de performance, todo esse conceito de eficiência operacional, também somos impactados e temos que rever o nosso modelo. Continuamos a crescer nesse período, em torno de 20%. Para esse ano, a expectativa é crescer na faixa de 10%. Apesar do ritmo mais modesto, estamos nos preparando para uma nova rodada nos próximos três anos.
Na sua percepção, como o país vai superar esse cenário de desaquecimento econômico?
Uma característica que a Stefanini sempre teve é uma autocrítica acentuada. É preciso perceber quando seus modelos estão se exaurindo, revisar continuamente. Acho que o Brasil está nesse momento. O país teve dois momentos importantes nos últimos anos. O primeiro da estabilização econômica e de algumas mudanças estruturais que o Fernando Henrique Cardoso fez, que foram muito importantes. Depois tivemos um momento bastante interessante, do consumo, da redução significativa da pobreza, da melhoria do nível brasileiro. Porém, agora nós vamos para uma terceira etapa, na qual precisamos refazer a estratégia. E penso que o governo está insistindo no modelo anterior, baseado no consumo, que, claramente, já se esgotou. Temos que dar um salto para um modelo baseado em eficiência operacional, performance, ganhos de produtividade e o Brasil, infelizmente, ainda não entrou nessa agenda. Eu gostaria que qualquer que seja o governo, não importa de qual partido, que entrasse nessa agenda. Será um desperdício se perdermos essa oportunidade, pois corremos o risco de regredir.
O sr. citou a questão da eficiência e do novo salto que o Brasil precisa dar. Quais seriam as alternativas para alcançar esse novo patamar?
Tem uma questão de credibilidade. O Brasil precisa acreditar que pode fazer melhor e pode crescer. Essa é a primeira etapa. E numa segunda etapa, logo em seguida, fazer a sua lição de casa. Porque às vezes a gente cria — não só no Brasil, em boa parte dos países — um sentimento de euforia, de crescimento, e depois não faz a segunda etapa, que é a dolorida, de fazer as mudanças. Em curto prazo, seja qual for o governo, deveria trazer um movimento de acreditar no país. O segundo ponto é realmente implementar um modelo de várias mudanças que o Brasil precisa ter coragem para fazer. E aí também envolve toda a sociedade, porque envolve sacrifícios de todos.
Quais seriam essas reformas?
São várias. Você tem reformas mais estruturais e complicadas, como tributária, política, acho que modelo político não é adequado. Tem a questão trabalhista também, que é outro item difícil de mexer, mas a legislação é de 1930 e mais de oitenta anos se passaram. Estamos ficando arcaicos e uma série de jurisprudências do Tribunal Superior do Trabalho tem regredido e não são nem lei. Hoje, o Brasil é o campeão de ações trabalhistas. Mesmo em relação a países com legislações mais complexas. Não é uma coincidência. E depois tem outras reformas mais rápidas. Investir em infraestrutura, em educação, em saúde. E investir não é por mais dinheiro. Acho que hoje o Estado já tem um bom volume de orçamento. É como uma grande empresa. Tudo o que é grande, você tem uma certa dose de desperdício e de ineficiência. Então, gestão é a chave. É preciso dar um salto de gestão no governo. Usar melhor o dinheiro. Então não sei se é o caso de aumentar o orçamento, é o caso de usar melhor o orçamento, de maneira mais eficiente. E não estou falando só de corrupção. Minha visão — muita gente discorda — é de que, às vezes, a ineficiência e a incompetência são maiores do que a corrupção.
E em termos de competitividade, o que precisa ser feito? Qual é o principal desafio nesse sentido?
Quando se fala em produtividade, você pode pegar a pessoa em si, o profissional, e pode pegar o todo. No profissional, na área de tecnologia da informação (TI), por exemplo, não temos uma produtividade baixa, por incrível que pareça. Temos, sim, problema em divulgar essa marca, esse conhecimento, essa capacidade. Nós temos carências de educação básica, de planejamento, de organização, mas no todo, diria que temos um bom resultado do ponto de vista de projetos de TI. Mas TI não é a média. Agora, se você avaliar a produtividade do brasileiro em si, ela não é muito alta. A educação, por exemplo, vem se deteriorando. Apesar de aumentar a quantidade, o que é bom. Mas a qualidade vem se deteriorando nos últimos 30 anos. De novo, o que precisamos é gestão. Saber incentivar e dar as medidas de incentivo adequadas, para o bom professor, para a boa escola. Sempre quando se fala em gestão, em qualquer lugar, é um desafio brutal.
E quanto à produtividade em um aspecto mais amplo?
Aí, o problema é bem mais complexo, é onde o Brasil mais peca. Não adianta só ter uma boa produtividade, por exemplo, no agronegócio. O que impacta? O transporte dos grãos até o porto. O custo do contêiner. No final, o preço sai caro e não necessariamente o nosso “core” não é competitivo. Pense num trabalhador. Perder duas horas para ir trabalhar é um absurdo. Então, a infraestrutura é um gargalo. Hoje, o alto custo de telecom é um problema para nós. Agora a questão da energia também. Então, temos problemas estruturais que impactam diretamente na competitividade e na produtividade como um todo. A própria burocracia do governo. Custa muito caro e impacta nos negócios. Agora, de novo, precisamos de sinais. É a história de enxergar o meio copo cheio. Isso pode ser uma grande oportunidade de girar o país. Você tem o que construir. Se o Brasil conseguir criar um plano eficiente de investimento, isso pode ser uma oportunidade de crescimento.
A Stefanini atua junto a diversos segmentos e indústrias. Qual é a perspectiva dos clientes frente ao atual cenário econômico?
Economia não é uma ciência exata. Depende muito do grau de confiança que os empresários têm, e hoje ele é baixo. Isso é uma avaliação de praticamente todos com quem converso. Precisamos retomar esse grau de confiança. Está baixo e agora é agravado pelo momento da eleição, o que sempre acontece. Nos últimos três, quatro meses antes de um processo eleitoral, sempre se espera um pouco para ver o que vai acontecer. Hoje, eu diria que essa situação se agrava, porque já temos um problema de falta de confiança em geral, da sociedade, não só de empresários. E o cenário eleitoral está bastante conturbado e imprevisível. Tivemos recentemente o episódio da morte do Eduardo Campos, isso mudou todo o cenário político. Então, se você soma esse cenário é realmente um momento de baixa, de espera. Mas é porque já vem um clima anterior a isso. Tivemos as manifestações há pouco mais de um ano, a questão do PIB toda hora tendo revisão de baixa.
Falando em debate, como o sr. enxerga o nível do discurso nessas eleições?
Acho que a morte do Eduardo Campos puxou o debate para baixo. Ele tinha uma proposta positiva, mas era uma pessoa moderada. E pela própria situação da eleição permitia uma composição mais moderada. Com a entrada da Marina Silva, a situação se inverte. Não pela pessoa da Marina, mas pela situação, pela mudança drástica, fica um debate mais pobre, do ponto de vista de conteúdo, o que é uma pena. Uma vez eu falei com o presidente mundial de uma empresa francesa, que fez um comentário interessante. Ele disse que o Brasil é um dos únicos países do mundo que só tem partidos de esquerda. Ou que se dizem de esquerda. E não é uma questão de ser de direita, mas o equilíbrio do debate é importante, ter posições antagônicas que permitem um enriquecimento. E isso está faltando e esse monopólio no discurso é complicado. Obviamente, nós, como empresários, sentimos mais isso. E não somos necessariamente contra o discurso social. As coisas se compõem. Então, acho que estamos perdendo uma oportunidade. As divergências são muito positivas. Obviamente sempre tem os extremos. É preciso ter uma visão um pouco mais conciliadora na hora das decisões, das medidas, mas tem que ter uma discussão. Às vezes, a finalidade é até a mesma, mas a forma de alcançar é oposta. Mas se você só tem uma posição, como chegar no meio-termo? Vira praticamente um monopólio de ideias.
No fim de 2013, vocês anunciaram o plano de dobrar a receita até 2016, para R$ 4 bilhões. O sr. mantém essas metas?
Vamos adiar um pouco, até pelas dificuldades que foram um pouco acima do que esperávamos, pela própria economia, vamos dizer assim. Estamos nos adaptando. O objetivo de dobrar a empresa continua, mas acho que devemos postergar em um ou dois anos. Inicialmente era para 2016.
Como o cenário econômico vem afetando os projetos dos clientes, tanto em termos de cancelamentos como de adiamentos dos investimentos?
Na verdade, a gente não pode ser catastrofista a ponto de dizer que a maioria cancelou, mas é claro que afeta. Depende do tipo da empresa, se é mais conservadora ou não. Acho que mais do que cancelar, elas têm enxugado os orçamentos para se tornarem competitivas. Os bancos são um exemplo. Eles enxugaram muito o orçamento na nossa área de serviços nos últimos dois anos. A própria diminuição no número de bancos também afeta. Eu dei exemplo de bancos, mas poderia dar outros. Então, a gente passa por um ajuste forte, mas que também são ciclos econômicos. Não existe economia que só tem picos de alta.