Por douglas.nunes
Diante de um cenário macroeconômico de perspectivas e fundamentos pouco animadores, boa parte dos setores projeta um 2015 repleto de desafios no mercado brasileiro. Um segmento específico, no entanto, enxerga um horizonte positivo para os próximos 12 meses: a indústria local de venture capital e de private equity. Segundo quatro fundos ouvidos pelo Brasil Econômico, o segmento continuará a receber aportes destinados a novos projetos — os possíveis sobressaltos ajudarão a consolidar uma relação mais madura entre investidores e empreendedores.
O principal reflexo já começa a ser sentido no processo de avaliação da empresa alvo de um possível investimento, mais conhecido no setor pelo termo “valuation”. “Até pouco tempo, muitos empreendedores e até mesmo investidores estavam com uma expectativa demasiadamente alta, descolada da realidade local. Com esse cenário de agora, quem investe está mais receoso e quem busca recursos está mais realista”, diz Moisés Herszhenhorn, executivo-chefe da brasileira Warehouse Investimentos. “Essa visão trará menos barganha dos dois lados e vai dar mais liquidez para o mercado. Teremos um cenário mais favorável, especialmente nos investimentos em empresas mais maduras, que já sentiram os efeitos dessas questões econômicas”, observa.
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Com seis investimentos realizados em seu primeiro fundo destinado a empresas em estágio inicial, a Warehouse está finalizando a composição de um segundo fundo para 2015, cujo valor captado não foi divulgado. Batizada de Pier 18, a nova estrutura terá justamente como foco empresas de tecnologia mais maduras e que já geram receitas nos segmentos de marketplace, B2B e software como serviço, educação e serviços digitais ligados à infraestrutura. Os aportes ficarão na faixa de R$ 10 milhões a R$ 40 milhões e o escopo abre oportunidade para possíveis investimentos em projetos no exterior. “O fundo como um todo deverá ter entre quatro ou cinco empresas no portfólio. Para 2015, a ideia é fechar dois acordos”, diz Herszhenhorn.
“O momento é positivo para quem está capitalizado. O empreendedor sente mais dificuldade em crescer e o valuation fica um pouco mais razoável. Houve um rali de preço de 2011 a 2013 e agora o que está acontecendo é um filtro extremamente saudável no mercado”, afirma Mauricio Lima, diretor-executivo do fundo brasileiro Invest Tech. “Estamos entrando numa fase em que é possível negociar condições mais equilibradas. Ao mesmo tempo, o empreendedor começa a entender que o valor que um fundo agrega não está restrito ao dinheiro”, observa.
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A Invest Tech também está estruturando um novo fundo, após uma primeira iniciativa de R$ 31,4 milhões, que contemplou seis empresas no período de 2008 a 2011. Nesse primeiro movimento, o alvo eram projetos com faturamento anual de até R$ 20 milhões.
Com prazo de oito anos e mais dois anos para uma possível extensão, o novo fundo da Invest Tech captou R$ 209 milhões — ante uma expectativa inicial de R$ 180 milhões — junto a investidores como o Grupo Telefônica. No radar, estarão empresas de tecnologia da informação e telecomunicações com faturamento anual entre R$ 10 milhões e R$ 200 milhões, e projetos em áreas como smart grid (rede elétrica inteligente), saúde e segurança. Os aportes irão variar de R$ 10 milhões a R$ 45 milhões. “Já temos dois negócios bastante adiantados e esperamos concretizá-los no início de 2015. Nossa meta é cumprir R$ 100 milhões do que foi captado no ano que vem”, diz Lima. “Uma parcela dos investimentos será reservada a empresas com receita na casa de R$ 150 milhões, que têm crescimento mais lento, mas, em contrapartida, menos risco”.
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A Invest Tech também está em fase de montagem de um novo fundo voltado a empresas em estágio inicial, com faturamento de até R$ 4 milhões. A expectativa é captar R$ 50 milhões para essa iniciativa no decorrer de 2015. Parte desses recursos já foi obtida junto a investidores locais e internacionais. Lima acrescenta que o cenário econômico pode influenciar na estratégia de venda das empresas que integram o portfólio do primeiro fundo da gestora. “Dadas as condições atuais, talvez nossa decisão seja segurar esses desinvestimentos, à espera de uma melhora da economia e de propostas mais atraentes”, diz.
Assim como seus pares nacionais, os fundos estrangeiros com operação local também compartilham de uma visão otimista para o setor. “Tivemos um 2014 muito bom. Foi o ano em que fizemos mais transações no Brasil, com seis novos investimentos e novas rodadas em empresas que já estavam no nosso portfólio”, diz Anderson Thees, sócio-fundador da Redpoint e.Ventures. No Brasil desde 2012, a companhia é uma joint-venture entre duas gestoras de fundos do Vale do Silício e tem em seu portfólio empresas como ViajaNet e MinutoSeguros.
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Com dois acordos fechados para 2015, Thees prevê que a Redpoint e.Ventures manterá no ano a média de seis investimentos. “Os fundamentos econômicos são parecidos com os de 2014, com a diferença que não teremos dois megaeventos, como a Copa e as eleições, que são bloqueadores de decisão”, afirma.
Para a composição de seu portfólio, a Redpoint e.Ventures tem um fundo de US$ 130 milhões, reservado à aquisição de participações minoritárias em empresas em estágio inicial, com aportes entre US$ 2 milhões e US$ 4 milhões. Com o radar voltado para projetos relacionados à internet, à computação em nuvem e ao segmento B2C, Thees destaca outros fatores que ajudam a compor um cenário otimista para o Brasil. “O país ainda tem cerca de 100 milhões de pessoas para serem incluídas na internet. Durante os próximos anos, vamos ter uma curva de crescimento muito forte em segmentos como o e-commerce. E mesmo quando todo esse universo estiver online, ainda levará cerca de três anos para que essas pessoas sejam compradores ativos. Há muito espaço ainda para evoluir”, diz.
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Dona de um portfólio na América Latina composto por empresas como BebêStore e Restorando, o fundo europeu Atomico também ressalta que os números da penetração da internet colocam o Brasil como um dos mercados prioritários para a companhia, cujo terceiro fundo tem um montante disponível de US$ 500 milhões. “Não temos uma alocação específica para nenhuma geografia, mas o Brasil é um dos maiores mercados, com um crescimento exponencial de serviços de internet e, ao mesmo tempo, mais aberto e politicamente mais estável que mercados similares, como a China”, diz Haroldo Korte, diretor do Atomico.
Korte observa ainda que o mercado brasileiro é a principal plataforma para que o fundo amplie a escala das empresas que integram o seu portfólio na América Latina. Com participações que em média variam de 15% a 20%, o Atomico tem no radar projetos de tecnologia ligados a segmentos como educação, saúde, agricultura e finanças.
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