Por monica.lima
Imerso em turbulência por conta das novas regras do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), o ensino superior privado, que teve em 2014 o maior número de fusões e aquisições dos últimos três anos no Brasil, tende a registrar menor movimentação em 2015 devido à diminuição da atratividade do segmento e à pulverização do mercado. No ano passado, foram registradas no país 26 operações de compra ou fusão no setor educacional, segundo levantamento da empresa de auditoria e consultoria KPMG, contra 24 em 2013 e 19 no ano anterior.
Os números contrastam com o ápice das operações de M&A (sigla em inglês para fusões e aquisições), em 2008, quando houve 53 transações. A consolidação de mercado foi impulsionada pelo dinheiro levantado em IPOs (ofertas públicas iniciais) de Anhanguera, Kroton, Estácio e SEB — todas as aberturas de capital ocorreram em 2007. “Na época, as empresas saíram a campo fazendo aquisições”, lembra Marcos Boscolo, sócio da área de auditoria responsável pelo segmento de educação, na KPMG.
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Como resultado dessa onda de M&As, o total de instituições de ensino superior privado parou de crescer a partir de 2006, segundo dados compilados pela KPMG. Em 1995, o Brasil tinha 684 universidades ou faculdades privadas. O número mais que triplicou até 2006, atingindo o patamar de 2.141 instituições. Desde então, total permaneceu relativamente estável — em 2013, havia 2.090. “A configuração do mercado brasileiro, na comparação com outros países de referência, ainda é muito pulverizada”, avalia Felipe Silveira, analista da corretora Coinvalores. “Muito do crescimento do setor nos últimos anos se deve a programas governamentais.”
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Com dinheiro em caixa, grandes grupos — nacionais e estrangeiros — adquiriram instituições de médio e grande porte, dentro de uma política de expansão por meio de M&As. Restaram no mercado instituições de pequeno porte. “Cerca de 90% das instituições de ensino superior no país têm até dois mil alunos”, diz Boscolo da KPMG. “Comprar essas empresas demanda um esforço muito grande, em termos de custos de integração, para um benefício pequeno em receita.”
Embora o total de empresas tenha se mantido estável, o volume de estudantes que ingressaram no ensino superior, considerando apenas as instituições privadas, saltou de 1,03 milhão, em 2001, para 2,27 milhões, em 2013, como consequência do ganho de escala dos principais players do setor. “Hoje, há muito pouco ganho de escala a ser feito. O que poderia ser explorado de forma mais fácil já o foi”, resume Rodrigo Zeidan, professor de Economia da Fundação Dom Cabral e da New York University Shanghai.
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Assim que se posicionaram nos mercados mais interessantes, os grandes grupos educacionais passaram a desenvolver uma estratégia de crescimento orgânico. E, também, a redobrar seus esforços na área de ensino à distância. Parte do fôlego do mercado no ano passado está ligada às aberturas de capital do Grupo Anima Educação e da Ser Educação, ambas realizadas em 2013.
Depois de acumularem altas expressivas ao longo dos últimos anos, os papéis de companhias de ensino superior sofreram impacto catastrófico de duas portarias publicadas no fim de 2014. A Portaria Normativa nº 21, do MEC, estabelece que — para ser elegível ao Fies — o estudante deve alcançar nota mínima de 450 no Enem, além de não tirar zero na redação. Já a Portaria Normativa nº 23 estendeu de 30 para 45 dias o prazo dos repasses do governo às instituições de ensino para pagamento das mensalidades de estudantes que recorrem ao Fies. Na prática, isso significa que, para um curso de quatro anos, a instituição receberá todas as mensalidades num prazo de cinco anos e meio.
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A consequência direta dessa alteração de regras é uma redução no fluxo de caixa das empresas, advertem os analistas Felipe Silveira e Daniel Liberato, da Coinvalores. Como resultado, os papéis da Ser Educacional acumulavam até ontem desvalorização de 38,66% no ano, enquanto os da Anima recuaram 33,21% no período e os da Estácio, -27,25%. Em análise distribuída a clientes no último dia 7, a empresa de análise financeira Empiricus lembrava que 42% da base de alunos da Ser e 38% da Estácio tinham financiamento do Fies. “No curto prazo, isso (a mudança de regras) deve travar a expansão, já que torna o setor menos atrativo”, sustenta Fernando Veloso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas.
Rodrigo Zeidan, da Fundação Dom Cabral, ressalta que a diminuição no fluxo de caixa das empresas afeta tanto compradores como vendedores. “A diminuição do fluxo de caixa tira liquidez do mercado. O preço, para quem quer vender uma instituição, está menos atraente”, explica. Na ponta compradora, isso significa que adquirir universidades e faculdades torna-se um investimento menos vantajoso, por conta do fluxo de caixa menor gerado pelos novos ativos. “No médio e no longo prazos, o país tem um espaço enorme para o ensino superior crescer. Um dos gargalos está no ensino médio. Da população brasileira entre 15 e 17 anos, 55% estão no ensino médio, 15% estão fora da escola e 30% estão atrasados, ainda no fundamental”, diz Veloso, do Ibre-FGV.
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