Por bruno.dutra

Rio - Uma bomba relógio que desde o início do ano passado repousava discretamente nas gavetas do governador Luiz Fernando Pezão e do secretário estadual de Transportes, Carlos Roberto Osório, está prestes a ser acionada: a CCR Barcas ameaça entregar a concessão, pela qual pagou R$ 72 milhões. O motivo está no balanço da empresa, publicado em 25 de fevereiro, que mostra que nos últimos dois anos a empresa teve mais de R$ 110 milhões em prejuízos.

A crise se agravou com a compra das barcas chinesas, que têm custo operacional 50% maior do que as atuais. Para equilibrar o negócio, o preço das tarifas saltaria dos atuais R$ 5,00 para R$ 7,70 — isso somente para a operação do sistema. Se forem levadas em conta as reformas nas plataformas e a manutenção das embarcações, o valor ultrapassaria os R$ 10.

A chegada em dezembro da barca Pão de Açúcar — primeira das nove novas embarcações que irão reforçar e renovar a frota em 2015 — é um exemplo da falta de planejamento e diálogo entre a concessionária e o governo estadual. No negócio da China, as nove embarcações custaram aos cofres públicos investimentos da ordem de R$ 300 milhões. Os novos modelos têm ar-condicionado, bicicletário, janelas panorâmicas, 100% de acessibilidade, dois andares — com possibilidade de embarque e desembarque simultâneos —, além de possuírem dupla proa, o que elimina a necessidade de manobras para atracação. Com a Pão de Açúcar, o tempo de travessia diminui de 18 para 10 minutos. Porém, ela só entrou em operação em 11 de março, quase três meses depois. A explicação? Não tinha plataforma adequada, a tripulação não havia sido treinada e faltava documentação.

E esses não foram os únicos problemas. O governo estadual esqueceu de combinar com o estaleiro sobre a manutenção das novas barcas: muito maior do que as antigas, elas não entram no espaço da concessionária em Niterói.

Especialista em Mobilidade Urbana da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Alexandre Rojas é taxativo e alerta que não existe caridade por parte dos investidores. Enfático, ele sinaliza que o Tribunal de Contas tem que entrar nesta história e explicar porque a CCR assumiu a concessão sabendo que ela dava prejuízo.“Este modelo de privatização não é apropriado. É claro que isso não ia dar certo. Agora o governo está com uma bomba de retardo na mão. Não estou falando só das barcas, não. A crise inclui o sistema de trens e vai chegar ao metrô. Agora, isso tem que ser investigado. Não foi só falta de planejamento”, disse o professor.

Sobre o que fazer para evitar um possível colapso, ele adianta que o caminho seria um novo edital e outra licitação, sabendo qual é o preço de referência, para chegar na tarifa de equilíbrio. “Aí , o governo decidiria se vai dar subsídio, ou repassar o custo para o passageiro. Não tem mágica com isso”, acrescentou Rojas.

O professor Aurélio Lamare Soares Murta, especialista em Sistema de Transportes de passageiros, Mobilidade Urbana, Tarifas e Infraestrutura de Transporte da Universidade Federal Fluminense (UFF), concorda. Para ele, o principal problema é que a Agetransp (agência reguladora dos transportes concedidos no Estado do Rio) não regula o serviço. “As regras não são claras, não são transparentes. A Agência não cria os meios. Ninguém sabe exatamente como se faz o preço ou como se calcula o reajuste. Até hoje isso funciona como se fosse uma autorização do governo”, diz.

O professor da UFF alerta que uma crise de mobilidade está por vir e questiona: “O empresário quer lucrar, isso é capitalismo simples. Se ele entrou para ter prejuízo, é porque tem alguma coisa errada”. Murta destaca que existe um imbróglio técnico entre o governo e a CCR. “O governo não fala com a empresa, aí as coisas saem erradas. Existe um erro de comunicação”, sentenciou, lembrando que a Agetransp sofre com falta de pessoal e deveria fechar parcerias com universidades, como fazem as agências reguladoras federais.

Em nota, a agência reguladora estadual disse que “contratou a Fundação Getúlio Vargas para realização de estudo” e que o trabalho já foi concluído “e a previsão é de que esse processo regulatório seja apreciado ainda este ano”.

O secretário estadual de Transportes, Carlos Roberto Osório, disse que ainda não recebeu nenhum posicionamento oficial da CCR. Já o grupo CCR informou que a revisão tarifária ocorre em períodos regulares, conforme previsto no contrato em vigor, que está em fase de avaliação pelo órgão regulador. “Só poderemos nos posicionar após a apreciação e divulgação por parte do poder concedente. Enquanto isso, a operação da concessionária segue normalmente”, diz a nota.

Prejuízo constante

Desde que assumiu a concessão, em junho de 2012, a CCR Barcas tem registrado sucessivos prejuízos. Mesmo no primeiro ano, quando as tarifas foram majoradas acima da inflação para atrair o novo concessionário, a prestação de serviços de transportes aquaviários no Rio teve um prejuízo de R$ 13,617 milhões. O número foi melhor do que o do ano anterior (menos R$ 44,9 milhões), principalmente por conta do aumento de 37% na receita, que chegou a R$ 128,3 milhões. O ano poderia ter fechado no lucro, não fosse uma grande provisão, de R$ 28 milhões, para possíveis ações judiciais — questionada pela auditoria do balanço, a Deloitte.

Nos dois últimos anos, o prejuízo tem sido cada vez maior: R$ 55,4 milhões em 2013 e R$ 55,6 milhões em 2014. Em 2013, houve ainda grande aumento da receita (de 28%, para R$ 164,5 milhões), mas os custos têm crescido em maior velocidade. A companhia não detalha, nas demonstrações de resultados, a razão para o aumento expressivo de custos (40% apenas entre 2012 e 2013), mas a principal variação é encontrada no item “custos com construção”, que salta de R$ 619 mil para R$ 25,2 milhões.

O valor tem sido gasto na modernização das estações Arariboia e Praça XV. No ano passado, com a conclusão das obras no Rio, o custo com construção caiu para R$ 17,7 milhões, mas aumentos de custos com serviços, depreciação e amortização e aluguel e condomínios compensaram a queda, levando a um prejuízo maior.

Em seu balanço de 2015, a CCR Barcas reforçou que as tarifas aquaviárias cobradas pela CCR Barcas são definidas pela agência reguladora, Agetransp, de acordo com as regras definidas no contrato de concessão. “Em março de 2014, tivemos os reajustes das tarifas aquaviárias. A tarifa aquaviária social foi de R$ 4,50 para R$ 4,80, gerando um acréscimo de 6,67%. Não houve alteração na tarifa para os usuários que possuem o Bilhete Único. Foram investidos R$ 26,9 milhões em melhorias nas estações, prédio administrativo, embarcações, pontes e flutuantes, com o objetivo de melhoria do conforto dos usuários e colaboradores”, diz o texto.

O Ministério Público entrou com uma Ação Civil Pública pedindo a realização de uma licitação. A proposta é a de nº 2004.001.000961-5 e teve entrada em 19 de janeiro de 2014 na 4ª Vara da Fazenda Pública do Rio de Janeiro. O documento requer a rescisão do contrato de concessão. O processo está em fase de perícia.

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