Por diana.dantas

Ao unir as duas maiores empresas privadas do pré-sal brasileiro, a aquisição da britânica BG pela anglo-holandesa Shell põe na mesa de negociações com a Petrobras um sócio com musculatura suficiente para bater de frente com a estatal brasileira em discussões sobre custos e cronogramas dos projetos. A avaliação é de especialistas do setor, para quem a nova gigante ganha força ao concentrar poder de decisão nas maiores áreas petrolíferas em desenvolvimento no país. A operação de US$ 69 bilhões, anunciada na manhã de ontem, cria uma empresa com 17 bilhões de barris em reservas e fluxo de caixa de US$ 52 bilhões, o maior entre as petroleiras de capital aberto.

No Brasil, a companhia passa a concentrar participações nos campos no pré-sal de Lula, Iara, Lapa, Sapinhoá e no bloco BM-S-54, além da área de Libra — esta última pertencente à Shell e as outras, à BG. “O problema no setor de petróleo brasileiro é de execução de projetos, que tem grande impacto nos custos. Com a aquisição da BG, a Shell ganha poder para negociar reduções no capex com a Petrobras”, diz um executivo que já passou pela BG. A empresa é hoje a maior sócia da Petrobras na área concedida do pré-sal, com fatias entre 20% e 30% nos projetos em que atua.

A notícia da aquisição pegou de surpresa funcionários da BG no Brasil, que ocupam um andar em edifício comercial no centro do Rio. Mas ainda não há notícias sobre possíveis demissões — embora a Shell espere uma economia de US$ 2,5 bilhões por ano com o aproveitamento de sinergias entre as operações. “Os principais ativos da BG no Brasil são não-operadores, ou seja, a empresa não tem um batalhão de empregados. Por isso, não deve haver grande impacto no processo de racionalização da estrutura”, comenta o consultor Luiz Costamilan, que comandou as operações brasileiras da empresa no início dos anos 2000.

Uma fonte próxima à Shell destacou que a anglo-holandesa já tem grande relevância do ponto de vista estratégico no Brasil, uma situação que será ainda mais fortalecida com a compra da britânica. Ao lado da francesa Total e de duas estatais chinesas, a companhia participa do único consórcio a fazer uma proposta em 2013 pela área de Libra, no primeiro leilão realizado sob o modelo de partilha no Brasil. “A Shell foi muito astuta. O portfólio da BG tem grande complementaridade com o dela e resolve alguns problemas que a empresa vinha enfrentando, como a dificuldade para repor reservas”, diz Costamilan.

A presença da BG no Brasil foi citada por executivos da Shell como um dos principais atrativos da operação. “As reservas não desenvolvidas da BG, particularmente no Brasil, combinadas com os sucessos recentes da Shell no Golfo do México, significam que podemos dar um passo atrás em exploração nos próximos anos”, disse Simon Henry, o chefe da área financeira da compradora, em teleconferência com analistas. A empresa estima que a produção conjunta dos ativos brasileiros atinja a casa dos 550 mil barris por dia no final da década, um crescimento de 323% com relação aos 130 mil barris por dia verificados no final de 2014.

“No Brasil, os ativos da BG dariam à Shell mais um ponto de apoio em uma das bacias de menor custo do mundo, e poderia acrescentar potenciais sinergias com Libra”, afirmou o analista Biraj Borkhataria, em relatório da RBC Capital Markets. “Estamos nas águas profundas brasileiras desde 1990”, disse o presidente da Shell, Ben Van Beurden. “A experiência que ganhamos com isso e, em particular, trabalhando com a Petrobras, nos dá grande confiança no potencial de crescimento dos ativos da BG no país”, completou.

Segundo os termos anunciados ontem, a Shell pagará £ 0,383 e dará 0,4454 de suas ações por cada papel da BG. A proposta embute um prêmio de 52% sobre o preço médio dos papéis nos últimos 90 dias. Após a operação, que deve ser concluída no início de 2016, os atuais acionistas da BG ficarão com 19% das ações da Shell. O plano apresentado prevê venda de US$ 30 bilhões em ativos até 2018 e reestruturação de negócios considerados não estratégicos, como a área de “downstream” — que inclui transporte, refino e revenda — e operações de produção já consolidadas em países como Iraque, Casaquistão e Nigéria.

O apetite da BG nos primeiros blocos do pré-sal é visto por alguns especialistas como uma das razões que levaram a empresa à posição de vendedora. “A BG estava muito alavancada e sentiu de forma mais intensa os efeitos da queda do petróleo”, analisa um executivo. Privatizada em 1986, e gerida em seus primeiros anos por executivos egressos da concorrente, a BG já foi chamada de “a Shell que deu certo”, pelo bom desempenho no início dos anos 2000, quando sua compradora enfrentava grave crise após revisão de reservas provadas.

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