Ao longo dos próximos três anos, a chinesa Huawei vai investir US$ 350 milhões para formar um time com 600 profissionais especializados em consultoria e outros quatro mil voltados para serviços de integração. Mais conhecida como fabricante de equipamentos de rede e telefonia, a companhia baseada em Shenzhen não tem a ambição de ser uma PricewaterhouseCoopers ou uma Accenture, mas farejou — como a concorrente sueca Ericsson — um universo crescente de oportunidades no setor de serviços. Conforme também acontece com as operadoras, a mistura crescente entre serviços de telecomunicações e de tecnologia da informação está alterando o perfil dos fabricantes.
No fim de abril, a Huawei anunciou durante evento com analistas, na cidade chinesa de Shenzhen, que produtos e serviços passam a ter o mesmo peso dentro da estratégia da companhia. “Queremos nos tornar o principal integrador de sistemas das operadoras para a transformação da infraestrutura de TIC (tecnologia da informação e comunicação)”, afirmou o CEO da Huawei, Eric Xu, durante a conferência. A mudança — antes o foco estava nos produtos e os serviços funcionavam como ponto de apoio — está longe de ser uma iniciativa isolada no mercado.
Gradualmente, a produção de software e a prestação de serviços foram ganhando espaço na receita da Ericsson. A ponto de, no ano passado, 66% dos negócios da empresa sueca estarem relacionados a esses dois segmentos — 24% das vendas globais vieram da área de software e 42%, de serviços, segundo dados do relatório de resultados financeiros de 2014. Em 1999, a participação dessas duas áreas era de 34%. Inicialmente mais ligada ao negócio de infraestrutura, a prestação de serviços ganhou mais independência dentro da Ericsson à medida em que a companhia foi adquirindo pequenas e médias empresas locais especializadas em serviços e consultoria.
“Essa mudança ficou mais evidente a partir de 2005”, conta João Yazlle, vice-presidente de Estratégia e Marketing da Ericsson para América Latina e Caribe. A sueca conta atualmente com um exército de 16 mil consultores e especialistas em integração de sistemas. “Esse é um setor (consultoria) que vem apresentando forte crescimento, maior que o de equipamentos de rede. São 1.500 projetos por ano”, contabiliza Yazlle, que enxerga as teles agrupadas em diferentes posições: algumas focadas no negócio de rede e outras à procura de novos negócios para expandir sua área de atuação.
O software vem ampliando seu peso dentro do setor de telecomunicações à medida em que os equipamentos de rede vão se virtualizando, explica Eduardo Tude, presidente da consultoria Teleco. “A tendência é termos cada vez menos hardware específico e mais software rodando em servidores padrão, dentro dos data centers das operadoras”, acrescenta. As chamadas “redes definidas por software” (SDN, na sigla em inglês) vêm ganhando espaço no mundo, embora ainda estejam pouco presentes da América Latina, segundo Ignacio Perrone, gerente para a Indústria de Telecomunicações da consultoria Frost & Sullivan.
Na SDN, é possível modificar a configuração e o funcionamento de equipamentos, de acordo com as necessidades da tele. Por exemplo: um mesmo equipamento pode ser configurado para operar em diferentes padrões (2G, 3G ou 4G). “O hardware é a parte mais fácil de copiar, de se transformar numa commodity. O valor vem dos serviços e do software. São áreas intensivas em recursos humanos muito qualificados e, por isto, com margens mais altas”, argumenta Perrone.
Na Huawei, o futuro braço de consultoria tem a missão de auxiliar os clientes a escolherem a opção mais adequada a suas necessidades. “Ninguém pode mais fazer tudo sozinho”, resumiu William Xu, diretor executivo do Conselho de Administração da Huawei e, também, da área de Marketing. Como parte de uma estratégia de aproximação com os clientes, a companhia chinesa promete quadruplicar ao longo de 2015 seus investimentos em parcerias, na comparação com o ano passado.
Em parte, a movimentação da Huawei e de outros fabricantes de equipamentos pode ser explicada pelo peso cada vez maior da internet dentro dos negócios das operadoras, não só em termos de tráfego e receita, mas também na forma como oferta produtos e serviços. “A experiência na rede se tornou a força-motriz primária do tráfego e da receita”, afirmou Eric Xu, CEO em exercício da Huawei (a companhia possui três presidentes que se alternam no cargo, a cada seis meses). Como já aconteceu com o segmento bancário, a tendência é de que as operadoras migrem cada vez mais serviços para a web e, com isto, tenham de oferecer um nível de personalização muito superior ao praticado atualmente.
Um exemplo, ainda tímido, dessa mudança no mercado brasileiro foi a possibilidade de os clientes de operadoras de telefonia poderem — já neste ano — cancelar planos pela web. Como a customização de produtos e serviços se consolidou como regra na internet, pelo menos em tese as teles terão de ser muito mais flexíveis, oferecendo planos cujas características podem ser alteradas apenas com uma visita ao site da operadora. No futuro, um cliente que desejar assistir uma partida de futebol pelo celular, em streaming, deverá ter a liberdade de trocar a velocidade de seu plano para evitar o risco de “engasgos” na exibição do jogo. Terminada a partida, o assinante poderia retornar à velocidade original, sendo tarifado de forma distinta pelo período em que navegou mais rapidamente.