Por douglas.nunes

Apaixonado por literatura — uma herança da linhagem de escritores e editores da família —, André Caramuru Aubert começou a escrever seus primeiros contos ainda menino. Aos vinte anos, seus dois romances e mais de duzentos contos ainda guardados na gaveta passaram a conviver com os livros do curso de História. Formado, ele enveredou pelo mundo dos bits e bytes, no qual fez de tudo. Dos primeiros passos ainda na infância da internet até as incursões iniciais nos aplicativos móveis. Há exatos dois anos, esse enredo aparentemente desconexo encontrou um ponto em comum. Com os novos caminhos abertos pelos e-books e pelas plataformas de autopublicação de livros, Aubert encontrou inspiração e uma possibilidade viável para abrir sua própria editora.

“Percebi que podia unir esses dois mundos em um único projeto e usar a plataforma para resgatar obras e autores importantes que estão no limbo, fora de catálogo, e por uma questão mercadológica, jogados nos sebos”, diz Aubert, fundador e editor da Editora Descaminhos. “Ao mesmo tempo encontrei uma alternativa para publicar meus livros. Hoje, não existe espaço para autores inéditos nas editoras. É muito difícil furar essa barreira”, afirma.

Após um trabalho que envolve a digitalização, a atualização e a revisão ortográfica, a Descaminhos usa a Kindle Direct Publishing (KDP), plataforma de autopublicação da Amazon, para a distribuição digital dos livros do seu catálogo que hoje inclui 11 títulos, de nomes como José Geraldo Vieira e Naum Alves de Souza, além das obras do próprio Aubert. “O projeto tem um conceito de cauda longa. Nossa ideia é construir um catálogo grande que permita atender a diversos nichos, inclusive com obras inéditas. O e-book possibilita essa abordagem. Além da publicação ser mais democrática e acessível, por meio da plataforma, o livro digital — uma vez pronto — não tem mais custo”, observa.

A Descaminhos não é um caso isolado à margem do mercado editorial tradicional. No entorno das plataformas de autopublicação, uma série de pequenas editoras começa a despontar. O modelo proposto por essas ferramentas explica esse movimento. Plataformas como a KDP permitem que qualquer pessoa publique seu próprio livro, gratuitamente. Com alternativas para a criação ou mesmo o upoload de capas, a obra passa a ser ofertada na loja da Amazon em um prazo de 48 horas. O próprio autor define o preço e recebe até 70% de royalties — no caso de exclusividade com a plataforma — por cada venda. “Temos visto diversos exemplos de microeditorias sendo criadas. A partir das facilidades desse modelo, elas contratam revisores, capistas e pessoas de marketing para oferecer serviços adicionais à plataforma”, diz Natalia Montuori, gerente da plataforma de autopublicação da Amazon no Brasil. “Essas editoras conseguem viabilizar projetos comerciais para autores inéditos e, ao mesmo tempo, manter vivas as obras do patrimônio cultural, a custo zero”, afirma.

Elizabeth Bezerra é outro exemplo que conseguiu cavar seu espaço usando a plataforma. Professora de escola pública, ela escrevia como terapia e colocava parte de suas histórias no Wattpad, rede social destinada à divulgação gratuita de livros de autores iniciantes. “Começou a ter repercussão e as pessoas queriam comprar meus livros. Cheguei a cogitar uma editora, mas o valor que eles me cobraram na época para publicar era o preço de um carro. Foi então que fiquei sabendo da KDP”, afirma.

A partir do retorno na plataforma — hoje, ela tem quatro títulos publicados, com vendas semanais, em média, de 300 livros para cada um deles —, Elizabeth decidiu montar a editora Bezz, com outras três sócias, que hoje estão mais à frente dos negócios. Elizabeth, por sua vez, abandonou as salas de aula e dedica grande parte do seu tempo à carreira de escritora. “Começamos publicando meus livros, mas logo percebemos que havia oportunidade para atender a outros autores independentes”, conta.

Juntamente com serviços como revisão e divulgação e da oferta dos e-books na Amazon e na Saraiva, a Bezz está investindo também em versões impressas dos cerca de 15 títulos lançados até o momento. Por enquanto, as obras físicas são vendidas pelo e-commerce da editora. “Nosso grande desafio ainda é a distribuição nas livrarias. Os distribuidores ainda têm uma visão muito fechada”, afirma. Barreiras à parte, a Bezz já cruzou fronteiras. Seu catálogo inclui autores da Espanha, da Áustria e dos Estados Unidos.

Fundada em 2014 pela agente literária Leda Cintra, a Editora Cintra também está alcançando outros mercados. Com uma abordagem que mescla o resgate da obra de autores como Patricia Galvão, a Pagu, e novos autores, a editora — que também usa a KDP como plataforma — conseguiu chamar a atenção de mercados como Croácia e França, nos quais fechou contratos para o lançamento de obras de seu catálogo. “Conseguimos ter acesso a uma escala global pela loja da Amazon, algo que no Brasil, só uma editora de grande porte tem”, diz.
Com um catálogo de 30 títulos digitais, a Cintra prepara agora a entrada em livros impressos. A ideia é testar esse mercado, com pequenas tiragens. Para isso, a editora já fechou contrato com uma distribuidora para levar as obras a grandes livrarias, como Cultura, Saraiva e Fnac. No caso dos e-books, a Cintra avalia a possibilidade de estender o leque para serviços de assinatura, como a Nuvem de Livros.

Leda também já está trabalhando em um projeto especial com “Macunaíma”, de Mário de Andrade, cuja obra passa a ser de domínio público a partir de 2016.

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