As mudanças no Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), anunciadas pelo governo federal no fim de 2014, dificilmente vão significar um crescimento abaixo dos dois dígitos para a Estácio neste ano — o embalo do mercado nos últimos anos tende a impactar positivamente os resultados em 2015. Mesmo assim, o presidente da Estácio, Rogério Melzi, busca alternativas para manter o ritmo acelerado de expansão, que multiplicou por oito o Ebitda (lucro antes de juros, depreciação e amortização) da companhia entre 2008 e 2014. Educação corporativa é uma das apostas do executivo no médio prazo. “Vou ter de estar presente em todos os estados e, muito provavelmente, nas cem, 120 cidades mais relevantes economicamente no Brasil”, diz o executivo.
A Estácio tem a perspectiva de manter em 2015 um crescimento na casa dos dois dígitos?
Vai crescer porque a simples inércia do que já aconteceu até agora leva a um crescimento de dois dígitos. Teria de ser uma coisa pavorosa, uma hecatombe, para não crescer no patamar de dois dígitos. A questão é se isso se repete para frente. Se a intensidade desse crescimento vai se repetir. E aí não tem jeito: a gente sempre vai ficar bastante sujeito a essas intempéries. Qual a profundidade dessa crise? Qual o abalo na confiança? A questão da política pública é interessante porque, por mais que o Fies venha para menos alunos, o simples fato de haver Fies motiva os alunos a pesquisarem, a entenderem e a procurarem. O simples fato de o governo dizer “faremos Fies” — que é um belíssimo sinal aliás dado pelo ministro Janine e foi muito bem recebido — desperta o interesse. Tem diversas variáveis hoje que não são controladas por nós, que fazem com que seja muito difícil dizer que vamos crescer no mesmo ritmo, vamos crescer menos ou não vamos crescer. O que acredito é que, em qualquer circunstância, a Estácio tem muita força — até porque a demanda existe, continua aí — para seguir entregando um bom nível de retorno.
Mas a renda das famílias tem encolhido...
Qual o agravante de 2015? É a combinação de dois fatores que, sim, são problemáticos. O primeiro é a crise econômica. E a crise, eu não acho que seja problemática para o ensino ainda, porque já afetou o bolso dos brasileiros. Ela é problemática por que afeta a confiança. No momento que afeta a confiança, e uma pessoa tem que tomar a decisão de entrar num processo que dura quatro anos, esta pessoa pode começar a se questionar: “Vou fazer isso? E se eu perco o emprego? E se eu tiver uma dificuldade? E se o país não voltar a crescer?”. Esse problema é potencializado pelo que aconteceu com o Fies. No momento em que faltou o Fies, as pessoas eventualmente poderiam pensar: “A situação está grave mas eu tenho a possibilidade de estudar por um custo que cabe no bolso. Agora talvez eu não tenha mais porque nem todo mundo vai conseguir”. Essa combinação é um ponto de interrogação. E é isso que faz o mercado financeiro de um modo geral… Não vou dizer que eles questionam, mas todo mundo está um pouco em compasso de espera porque ninguém tem essa resposta. O quanto de fato isso pode afetar? Porque a demanda existe. Mas se não tenho confiança ou não consigo financiar meus estudos, será que essa demanda de fato vai se realizar?
A tendência é de que a retração no consumo chegue ao mercado educacional?
O que joga a favor do setor, falando de confiança, é o fato de quando você pega uma família típica brasileira de classe C, que é basicamente o nosso público, o que essa família está abandonando logo de primeira são os gastos supérfluos. Deixo de ir ao restaurante e como em casa. Deixo de viajar e priorizo coisas que são mais importantes para mim. E não resta dúvida que a educação está no topo das prioridades de qualquer família. Então pode ser que, se por um lado a crise afete a confiança, por outro lado não existe ninguém em sã consciência que ache educação supérflua. É um investimento. É uma hipótese, uma dúvida, um contraponto: o que vai pesar mais? Ainda há uma incerteza muito grande. No primeiro semestre vimos um processo em que houve demanda, é verdade. Porém, o problema com o Fies ocorreu no meio. Os alunos já tinham começado um processo seletivo, que se inicia em outubro, novembro. Essa notícia (sobre a mudança no Fies) veio em 29 de dezembro. Já tinha 50%, 60% no caminho. É difícil dizer hoje se o que aconteceu no primeiro semestre se repete. Em segundo lugar, a questão da confiança veio piorando nos últimos meses. O desafio está diante de nós. A resposta para 2015, hoje, é esperar um pouco para ver.
Não acha que o ensino superior brasileiro se tornou excessivamente dependente do Fies?
Dependência não é necessariamente eu ter um certo percentual de alunos com o Fies. Bati mais de um terço de alunos com Fies aqui (na Estácio), no presencial. No ensino à distância não pode ter Fies. Dependência é você precisar do Fies para, por exemplo, atrair alunos. Isso é dependência. Nós sempre nos recusamos a adotar essa tática. A nossa ideia sempre foi que o aluno deve estudar na Estácio, porque ele ou ela gosta. Veem valor. Entendem que têm uma boa possibilidade de retorno. Vão ser bem servidos, atendidos. É um serviço conveniente, tem tecnologia, tem inovação. Se por acaso ele não tem recursos, uso o Fies ou poderia usar o Fies. Nossa estratégia sempre foi atrair o aluno sem Fies. Porém, se ao longo do programa, principalmente no começo, ele se perde financeiramente, este é um bom aluno para o Fies. Porque ele já veio até você, ia pagar do bolso dele, demonstrou vontade de estudar, é um brasileiro que quer superar suas dificuldades, mas ele se perdeu. Acontece. O Fies, aí sim, é um excelente produto. O Fies na Estácio sempre foi usado para tentar melhorar a evasão. Quando acontece a crise e vem o impacto do Fies, a expectativa é de que a Estácio sofra menos, porque não havia essa necessidade de fato. Vai ser sempre assim? Não sei. Vai depender da profundidade da crise, do índice de confiança das pessoas. Mas eu acho que a Estácio tem uma certa vacina contra o problema do Fies.
Enquanto outros grupos privilegiaram a expansão por meio de fusões e aquisições, a Estácio optou por uma estratégia diferente. Por quê?
A Estácio olhou muito para dentro. Ao invés de aproveitarmos essa onda positiva para fazer um processo de expansão — podíamos ter feito um megaprocesso de expansão, muito mais agressivo, talvez baseado em mais aquisições — nós entendemos que o crescimento orgânico que vivíamos já era bastante robusto. Nós saímos em 2008 de R$ 65 milhões de Ebitda para fazer R$ 533 milhões no ano passado. É oito vezes em seis anos. E a gente fez isso praticamente sem fusões, sem diluir o acionista, deve ter aí uma diluição entre 10% e 15%, quer dizer com pouca emissão de capital. Então, na verdade, essa é uma empresa muito saudável. E nós entendemos o seguinte: se a empresa cresce bastante, eu poderia usar esse período para preparar a Estácio para essa nova fase, onde o diferencial vai fazer mais efeito. Nós usamos todos esses últimos anos para trabalhar demais elementos que eu acho hoje que são pivotais para disputar o aluno num mercado mais adverso.
Quais os novos negócios em que a Estácio enxerga mais potencial dentro da área de educação?
Estamos investindo em algumas frentes. Dentro do que é um guarda-chuva de educação para adultos, nós trabalhamos hoje com cursos livres. O que são cursos livres? Posso pegar todo o conteúdo que eu desenvolvo e tentar segmentá-lo, fatiá-lo, para de alguma maneira monetizá-lo. Posso vender pela web, posso fazer white label (fornecer serviços a outra empresa, que os revende com sua própria marca). Temos uma área de preparação para concursos. É o único nome diferente que temos na Estácio: se chama Nova Academia do Concurso. É uma marca muito forte no Rio. Temos, também, uma área da qual eu gosto muito que se chama soluções corporativas. A ideia é trabalhar com grandes empresas, para treinamento e desenvolvimento das camadas intermediárias e não da camada mais básica, que a gente acha que é muito bem atendida pelo Sistema S, e nem tampouco da camada alta, onde você tem Dom Cabral, Fundação Getúlio Vargas.
A Estácio vai continuar a se expandir geograficamente?
No ensino online, estamos presentes em todos os estados brasileiros, mas no presencial ainda faltam quatro. Temos uma crença, que está na raiz da estratégia da Estácio, que é a seguinte: nós escolhemos um tempo atrás ter uma marca única. Para fazer isso acontecer, tem uma condição. Só posso ter uma marca nacional de educação, se eu for local. Não há propaganda que eu possa fazer que vá fazer a sociedade interagir comigo se eu for apenas um player online. A não ser que eu já tenha um nome tão bom quanto o de uma FGV, uma Harvard. O que quer dizer que, para que nós tenhamos uma marca nacional, vou ter de estar presente em todos os estados e, muito provavelmente, nas cem, 120 cidades mais relevantes economicamente no Brasil. Hoje, estamos, se não me engano, em 55. Então temos um longo caminho a perseguir. Mas esse é um processo de uma década.