Por diana.dantas

Cannes — Horas antes do tapete vermelho ser estendido para Catherine Deneuve, estrela do filme de abertura “La Tête Haute”, de Emanuelle Bercot, na última quarta-feira, os credenciados do 68 Festival de Cannes já faziam fila nos cinemas espalhados pela Croisette para conferir as primeiras novidades apresentadas para distribuidores e exibidores que participam do Mercado do Filme.

Este ano os destaques iniciais ficaram por conta de dois documentários: “Seymour, An Introduction”; e “Steve McQueen: The Man and the Mans”. O primeiro marca a surpreendente estreia do ator Ethan Hawke como documentarista. Hawke acompanha o dia a dia do pianista octogenário Seymour Bernstein, cuja trajetória de vida é o oposto do receituário dos astros e estrelas do star system global.

Aos 50 anos, no auge da carreira, depois de uma bem-sucedida excursão à Europa, Seymour decidiu corajosamente trocar o conforto da glória internacional pelo sossego de uma vida austera, num modesto apartamento nova-roquinho cujas contas paga com as aulas de piano que ministra com notório prazer. Dentre os motivos alegados para sua opção de vida, o zen-pianista alega o desgaste do estresse das apresentações em público e a exploração comercial da arte, que a seu ver é uma fábrica de neuróticos, como Glenn Gould, por exemplo.

Na direção do documentário, Ethan Hawke não esconde sua admiração pelo estilo de vida de Bernstein, que acompanha atenciosamente, sempre controlando a reverência exacerbada. Hawke procura passar ao espectador a sensibilidade das notas que saem dos dedos do seu mestre. Seu documentário é no fundo um caminho para o entendimento do que Seymour Bernstein qualifica como a interseção entre a arte de interpretar uma sonata e a arte de transformar a própria vida pela música. O resultado reflete a delicadeza resumida na explicação de um simples intervalo entre duas notas de partitura, que podem significar mero indicador técnico ou traduzir o mais profundo sentimento do autor.

O outro documentário bastante concorrido do primeiro dia de Cannes infelizmente frustrou a expectativa geral. Presente na mostra Cannes Classics, que apresenta cópias restauradas e documentários sobre cinema, “Steve Mcqueen: The Man and the Mans”, traz áudios inéditos do ator no leito de morte e se concentra basicamente na conturbada filmagem de “As 24 Horas de Le Mans”, filme em que Steve materializa seu fetiche pelas corridas de automóveis. O filme acabou entrando para a história mais pelo virtuosismo técnico, capaz de reproduzir pela primeira vez a tensão dos pilotos nas pistas, do que pela história, cujo roteiro, apesar dos esforços, nunca conseguiu chegar a uma versão final satisfatória.

Os diretores Gabriel Clarke e John Mckenna tentam engrenar a marcha acionando as (poucas) falas inéditas do astro hollywoodiano com imagens das filmagens e depoimentos de atores, produtores, corredores e familiares. Porém, como em “As 24 Horas de Le Mans”, o resultado é um documento desgovernado em que nunca sabemos se a linha de chegada são os bastidores de Hollywood, a personalidade de Mcqueen ou a revolução na técnica de filmar o automobilismo. 

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