Por diana.dantas
Hoje vou pedir licença aos leitores para escrever mais sobre a porção “Cia” desta coluna e falar das nossas ansiedades como clientes de políticas públicas. Os serviços prestados pelos governos são pagos por nós, contribuintes, clientes do estado, cidadãos. E, como clientes, queremos receber os serviços, e de boa qualidade. Assim como queremos que a operadora de banda larga que contratamos, e pagamos, nos ofereça uma conexão de qualidade. Se o serviço não é oferecido, é oferta enganosa, cobrança indevida. Temos canais institucionais para reclamar do mau serviço das operadoras. Mas, o que fazemos com os maus serviços do governo? Assistimos, por exemplo, paralisados, a violência sitiando a cidade? No fim de semana passado, chorei o assassinato do Alex, li sobre o arrastão nas praias e na saída do Teatro Municipal, e presenciei, da minha janela, o arrastão no Cosme Velho. Dá vontade de chorar pelo Rio.

Alex foi assassinado há uma semana, em um assalto no ponto de ônibus, ao lado da UFRJ, em Botafogo, no mesmo lugar onde minha filha já tinha sido assaltada há mais de dez anos, quando morávamos na rua Lauro Muller. Lugar manjado de assalto, todo mundo sabe. Mas tem épocas que piora. E como a vida já não vale nada, perdemos, num mísero assalto, um aluno brilhante, que, com certeza, se tornaria um cientista conceituado, mas, mais do que isso, já era, desde agora, um professor dedicado, inspirador, que, com seu entusiasmo, levaria outros alunos a escolher o magistério, profissão tão pouco valorizada no Brasil.

É um círculo perverso: a falta de educação e apoio às nossas crianças, a falta de perspectiva de nossos adolescentes os levam ao tráfico, que com as UPPs ficou mais difícil, e os trouxeram para os assaltos no asfalto. Tudo é mais difícil para os mais pobres, o transporte, a educação, a segurança, a saúde. Mas o pior é a escravidão política de todos, a que prende os eleitores a candidatos milicianos, religiosos, corruptos. Difícil escolher um candidato ético, de boa índole, é quase impossível romper a pesada malha que garante a massa de cidadãos calados; tão cansados da luta pela sobrevivência do dia a dia, que não conseguem gritar por melhorias.

Tenho estado estes dias com a Mausy (minha amiga do tempo que ela escrevia sobre a reserva de mercado na informática no “Jornal do Comércio”), mãe do Alex, e com Andrei (com quem trabalhei por muitos anos no “O Globo”), pai do Alex. Vejo que a tristeza se expande, para além da dor pessoal, irreparável, quando se perguntam o que está acontecendo com o nosso país. Eles, jornalistas, ela, também é professora, se esmeraram em dar a melhor educação que podiam aos filhos porque acreditam na educação. E seu filho, que já era, antes de se formar, um excelente professor, teve a sua vida ceifada neste círculo perverso.

Todos nós sabemos que a única forma de romper com este círculo é a educação. Estamos longe disso e os números recentes do Enem 2014 provam isso: 8,5% de 5,9 milhões de candidatos tiraram nota zero. Comparado ao ano anterior houve queda de 9,7% na média da redação e de 7,3% na média de matemática. Ainda é preciso fazer muita coisa pela educação no Brasil. A presidenta Dilma se comprometeu, na candidatura e no discurso de posse. Se tivermos que centrar força em um ponto de cobrança, em que todos se movimentem, esta bandeira tem que ser a educação. Não podemos perder esta oportunidade de reverter o curso, mesmo que leve tempo. Aliás, já perdemos tempo demais!

Enquanto isso, não dá para ficar sendo assaltado e morto por dá cá uma palha, ou uma mochila. E é doente esta mania de perguntarem se a pessoa reagiu, de quererem culpar a vítima por se defender. Desculpe, eu sou humana, quando tentam arrancar uma coisa da minha mão, instintivamente eu a protejo. A Mausy, em uma de suas declarações, disse que tinha vontade de dar um tapa na cara do Beltrame. Eu a entendo, mas discordo. Acho que o Beltrame é um daqueles poucos éticos, de boa índole. O problema é que uma andorinha só não faz verão, ainda mais em um céu de gaviões. A política pública que prevê a criação das UPPs como uma perna da estratégia de segurança é perfeita, e vem dando certo. O problema é que é uma parte. Falta o resto. Falta dar cidadania: transporte, saneamento básico, recolhimento de lixo, escolas, saúde, segurança, iluminação pública. Todos os serviços que já pagamos. As pessoas precisam que estas coisas funcionem. E isso tem que ser providenciado com urgência. Temos que salvar nossas crianças e jovens. Do contrário, vamos perder mais uma oportunidade de tirarmos o Rio das cruéis estatísticas de violência.

No velório de Alex, todos se olhavam com o mesmo pesar, e refletindo nos olhos, a mesma angústia da alma: podia ser meu filho. Por isso, somos todos Alex. A Mausy e o Andrei choram pela perda de seu filho, um pedaço arrancado de seus corações que jamais será substituído, mas eles choram também pela angústia de não quererem que isso se repita com ninguém, porque eles, nós, lutamos, vivemos, trabalhamos por um país melhor para nossos filhos, e, cada vez mais, para os nossos netos. Temos pressa por melhoras. Somos também clientes de política públicas e cada vez mais exigentes. E, desta vez, não vamos deixar de cobrar.
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