Vieram das ruas as manifestações por melhorias na educação, na saúde, na segurança, nos transportes, e instalou-se uma inquietação: como reclamar das políticas públicas? Será que o cidadão precisa de um código de defesa, a exemplo do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que fez com que os consumidores aprendessem sobre os seus direitos e passassem a cobrá-los? Este foi o mote de discussão de uma mesa, moderada por mim, no evento “A era do diálogo”, promovido pela Padrão Editorial, na última terça-feira, em São Paulo.
Uma conclusão unânime dos debatedores foi a de que não precisamos de um novo código, mas é preciso regulamentar o CDC nos artigos que tratam dos serviços públicos; é necessário haver transparência nas reclamações dos cidadãos e nas respostas do Estado; a educação para a cidadania tem que começar nas escolas; e, por fim, houve a defesa da criação de um código de defesa do eleitor, pelo qual, os cidadãos pudessem trocar os políticos que não cumprissem o que prometeram.
Na mesa estavam Marilena Lazzarini, presidente do conselho diretor do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e membro do conselho da Consumers International; Gisela de Souza, superintendente do Procon de Mato Grosso e presidente da Associação dos Procons do Brasil; José Geraldo Brito Filomeno, consultor jurídico, especialista em direito do consumidor, da Bonilha, Ratto & Pontes Advogados; Patrícia Cardoso, defensora pública da Defensoria Pública do Rio de Janeiro; e Jorge Maranhão, diretor do Instituto de Cultura da Cidadania “A Voz do Cidadão”.
O primeiro a falar, José Geraldo Brito Filomeno salientou que o melhor código de defesa do cidadão é a Constituição Federal, que no seu artigo 37, parágrafo terceiro, disciplina sobre a qualidade dos serviços públicos e sobre suas reclamações. Em São Paulo, especificamente, existe a lei da qualidade de serviços (10.294/99). Lembrou ainda que as secretarias têm ouvidorias para receberem as queixas e também é possível recorrer às comissões de ética. Defendeu que um novo código não é necessário, é preciso que se cumpra as leis que já existem.
Gisela de Souza observou que seria interessante que houvesse a divulgação das reclamações dos consumidores e a resposta dos órgãos responsáveis, criando-se um ranking dos problemas mais reclamados e do tempo de solução. Esta transparência faria com que o cidadão se sentisse ouvido.
Ela observou que a junção, no Sindec, de todas as reclamações feitas nos procons, mostrou quais as reclamações mais comuns e as empresas concessionárias de serviços públicos pagos mais reclamadas. Agora, é a etapa de buscar soluções que atinjam a todos os consumidores. Falta transparência no setor público, principalmente nos serviços pagos com tributos, salientou.
Gisela também mostrou a preocupação do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor com o Projeto de Lei 6953, de 2002, do senador Lucio Alcântara, que pretende regulamentar o artigo 37 da Constituição Federal, mas que coloca o Código de Defesa do Consumidor como subsidiário a esta lei. É preciso regulamentar, mas isso seria um grande retrocesso, afirmou Gisela, observando que o CDC só está abaixo da Constituição, é uma lei infraconstitucional. O Sistema esbravejou e o projeto de lei está parado no Congresso.
Marilena Lazzarini afirmou que não há uma lei milagrosa. O CDC tem uma leitura ampla e já abarca os serviços concessionários e permissionários pagos. É preciso regulamentar os serviços pagos com tributos, que são os mais difíceis de se cobrar qualidade. E falta o consumidor saber mais sobre os seus direitos, porque quando ele os conhece ele corre atrás. E para Marilena esta informação sobre os direitos dos cidadãos deve começar a ser dada na mais tenra idade, nas escolas.
Patrícia Cardoso defendeu que o trabalho desenvolvido hoje pela Defensoria Pública do Rio é de vanguarda e tem autonomia para atuar nos serviços públicos concedidos ou permissionados, trabalha assistindo os mais carentes nas situações de superendividamento e vem atuando, fortemente, nas áreas de conciliação junto com o Tribunal de Justiça, e em acordos. Patrícia citou dois recentes. Em um acidente na Supervia, a empresa assinou um acordo pelo qual pagou reparação e danos materiais e morais individuais aos feridos, dano moral coletivo, e cem milhões de bilhetes para a comunidade atingida. Em outro acidente de ônibus, no qual nove pessoas foram carbonizadas, foi feito um acordo entre a empresa de ônibus e a Secretaria Estadual de Transportes, pelo qual todas as famílias das vítimas foram indenizadas. Acordos como esses agilizam a Justiça para os mais pobres, acredita Patrícia.
O último a falar, Jorge Maranhão subverteu a pauta e sugeriu que se fizesse o Código de Defesa Eleitoral, que permitiria ao cidadão a troca do político que não cumprisse com suas promessas. O cidadão tem que ter o direito de devolver o governante se ele não funcionar, afirmou. Para ele, os que foram para as ruas estão em busca de cidadania política, o cidadão não quer mais ouvir o que vão fazer, ele quer ser ouvido.
Um debate muito interessante e enriquecedor. De minha parte, gosto da ideia da Gisela, e sugiro começar com o que já existe. Todas as secretarias deveriam juntar as reclamações feitas por todos os canais existentes, consolidá-las e divulgá-las, assim como as soluções dadas. Acredito que a própria divulgação das reclamações vai fazer com que os cidadãos se acostumem a pensar que pagamos os tributos, temos o direito de receber serviços e políticas públicas eficazes e que atendam a nós, cidadãos, que pagamos a infraestrutura do estado e a mão de obra dos funcionários públicos. E comecemos a reclamar até sermos ouvidos.