Por diana.dantas

Comentei aqui na semana passada como é cansativo ser consumidor no Brasil, principalmente porque a maioria dos problemas se deriva da má oferta. Ou seja, para ser um consumidor consciente temos que estar o tempo todo procurando onde estão as pegadinhas. Esta semana, lendo os jornais, percebo, com tristeza, que, se ser consumidor é difícil, é quase impossível ser um cidadão consciente, diante de tanta coisa para reclamar: a insegurança é total, sabemos de um esfaqueado dia sim e outro também; o campeão de surfe, Filipe Toledo, saiu da água no domingo dizendo que o mar estava com cheiro de fossa; no Aterro, os policiais e trombadinhas brincam de gato e rato; nas favelas, os prédios sobem desordenadamente; uma explosão destruiu vários apartamentos na Barra, culpa de algum fornecedor de serviço. E isso tudo só no Rio de Janeiro.

Pagamos por tudo isso que não recebemos, segurança pública, proteção ao meio ambiente, ordem pública, planejamento no crescimento da cidade, fiscalização. Mas parece que temos uma percepção de que as coisas públicas são de ninguém, ao contrário do que deveríamos ter em mente: que as coisas públicas são de todos nós e pagamos antes de recebê-las.

Há algumas semanas, abordei a questão de que estamos em um ano difícil e temos que buscar saídas mais baratas para nos divertirmos, nos exercitarmos, convivermos com amigos. O problema é que passear em parques, andar de bicicleta na Lagoa, exercitar o corpo nas praças onde há equipamentos, andar no Aterro, fazer uma trilha, visitar museus no Centro, viraram programas perigosíssimos.

No domingo retrasado passei a tarde no estacionamento em frente ao Hotel Glória. Os escombros das obras do hotel escondem os trombadinhas. Do outro lado, no Aterro do Flamengo, eles ficam andando de um lado para o outro, em busca de suas vítimas. No domingo, parecia uma brincadeira de gato e rato. Os policiais, a pé, a cavalo e nas viaturas, iam para um lado, o bando se dispersava para o outro. As pessoas andando de bicicleta, de patins, ficavam o tempo todo olhando para os lados. Lazer tenso.

Reclamar da violência é assunto corriqueiro. Acho que todo mundo conhece alguém, por perto, que foi assaltado, ou perdeu um ente querido pela violência da cidade. As UPPs estão em crise. O modelo não foi sustentado pelas ações sociais e está ruindo. Constroem a cidade de um lado e destroem de outro. A maior destruição é a incapacidade de se dar continuidade às boas iniciativas. E, neste ano, com menos recursos para as UPPs e o aumento da violência, quem mais perde é quem mora nas comunidades mais pobres, que estão perdendo até o apoio de Ongs educadoras e de ressocialização. O tráfico está fechando as Ongs e as crianças e adolescentes atendidas voltam para as ruas. Mais retrocessos.

O Estado deve a Deus e o mundo, mas tem que correr para entregar a cidade para as Olimpíadas, porque os prazos estão no limite, ou já atrasados. Tivemos o maior tempo já dado a um país para montar a estrutura de uma Olimpíada e, como sempre, tudo está sendo terminado nos 45 minutos do segundo tempo. Isso quando não desistirem de entregar. Que é o caso da despoluição da Baía da Guanabara e da Lagoa.

Os japoneses enterraram muito dinheiro aqui para despoluir a Baía, mas o governo brasileiro tinha que dar a contrapartida e, no mínimo, fazer um vasto trabalho para acabar com a derrama de esgoto in natura nos rios que levam ao mar. Não aproveitou a oportunidade e vamos pagar o mico de voltarem vários atletas doentes por causa da poluição da cidade dita maravilhosa. Desde o início da semana, alguns dos maiores surfistas do mundo, que disputam a etapa brasileira do circuito mundial no Rio, têm sofrido de enjoo e ânsia de vômito. Eles, incluindo o nosso campeão, Filipe Toledo, disseram ter sentido forte cheiro de esgoto no mar e acreditam que esta seja a fonte do mal-estar. Isso na Barra, bairro de bacanas.

Em Laranjeiras, onde moro, todos pagam para a Cedae o fornecimento de água e de esgoto. Seguindo a Rua das Laranjeiras, passa, subterrâneo, o rio Carioca, que deságua no mar do Flamengo. Há pouco tempo foram descobertas bactérias hospitalares nas águas do Carioca. Em Laranjeiras existem quatro hospitais. Mesmo com tão poucas fontes de contaminação, será que a Cedae não consegue fiscalizar e impedir esta poluição?

Todos sabem de tudo isso, mas as coisas não melhoram. O que fazer para cobrar? É nosso dinheiro que está “saindo pelo ladrão” e não está sendo aplicado devidamente. Nós, cidadãos pagantes, temos que encontrar uma forma de cobrar. Temos que trabalhar no mínimo oito horas, gastamos mais duas, três horas nos transportes, ainda precisamos estudar e cuidar da saúde para evoluirmos como pessoas. Que horas teremos para sermos cidadãos conscientes? É desgastante cobrar. Mas viver com serviços ruins também é.

O Instituto de Cultura de Cidadania A Voz do Cidadão propõe que o Brasil construa uma elite de cidadãos atuantes que busquem divulgar suas propostas objetivas de políticas públicas para o país. Estes cidadãos participariam de comissões temáticas (justiça, controle e gestão, segurança pública, cultura e arte, educação, trabalho/previdência, etc), nas quais reuniriam propostas positivas de políticas públicas que superem protestos e palavras de ordem e sejam isentas de conotações partidárias e eleitorais.

É uma ideia. E é assim que começa. De alguma forma os cidadãos têm que começar a se mobilizar porque não dá para contar com os políticos que elegemos. E enquanto não vem a reforma política, vamos ter que dizer com a nossa voz, e sem intermediários, o que queremos que seja feito com o dinheiro que pagamos.


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