Ao ouvir, no noticiário, na terça-feira, sobre a determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) para que o BNDES informe detalhes de operações financeiras de R$ 7,5 bilhões com o grupo JBS/Friboi, fiquei pensando em como no Brasil, historicamente, tudo é feito às escondidas. O dinheiro que o BNDES empresta é público, ou seja, é nosso. É óbvio que o BNDES tem que prestar contas para nós do que está fazendo com o dinheiro. Um assunto como esse nem deveria ocupar a Suprema Corte. A transparência deveria ser a norma quando se fala da gestão das coisas públicas. A grande revolução que podemos fazer neste país é exigir que seja prestado contas de cada centavo que pagamos com nossos tributos e impostos.
Assim como a violência nasceu no Brasil desde sua descoberta, começando com o massacre e castigos físicos dos índios, passando pelo tráfico de escravos, as torturas nos anos de ditadura, e a violência, estatisticamente maior, entre mulheres e negros, da mesma forma, os segredos e a corrupção floresceram na nossa terra desde sempre. Vieram com os portugueses e se estenderam pelas diversas áreas da vida do brasileiro.
Nem é preciso ser antropóloga ou historiadora, basta ter vivido. Nossa existência está cercada de segredos por todos os lados. No tempo da ditadura até as identidades eram falsas. Há alguns anos, nas vidas particulares, a duplicidade era quase uma regra. Quando morei em Natal (RN), em 1975, o comum era os homens terem duas famílias, a oficial e a escondida. Minha mãe dizia que, como seu pai era caixeiro viajante, ela não tinha a menor ideia de quantos irmãos poderia ter. Visitando um amigo gay há uns dez anos, em João Pessoa, fomos a um bar de surfistas na praia. Ao comentar sobre a dificuldade de encontrar um companheiro, ele me apontou quatro rapazes que estavam com esposas e filhos no colo, e disse-me que já tinha “ficado” com todos eles. O problema, afirmou, é que nenhum deles quer assumir ser gay e todos têm vidas duplas.
Minhas lembranças são as de todos. O que vem se modificando na nossa sociedade é a transparência nas relações. Falta muito, é óbvio, mas as coisas estão mudando. As mulheres estão mais fortes, mais escolarizadas, sabem mais sobre seus direitos, decidem mais sobre suas vidas. Os gays são cada dia mais numerosos, porque se assumiram mais, e ampliam suas vidas na sociedade, formando famílias e adotando filhos. E os negros continuam em sua eterna luta pela visibilidade na sociedade. Como efeito a esta onda crescente, vemos o aumento do conservadorismo e da intolerância.
Pelo lado da política, cujas artimanhas começaram no império, acabamos conhecendo bem a compra de voto, primeiro do eleitor, e depois, dos congressistas. E chegamos agora a esquemas bem mais sofisticados, com contas na Suíça, desvendados pela operação Lava Jato. O troca-troca de cargos por votos, por emendas, por benefícios fiscais, tudo sempre é feito às escondidas, em alianças espúrias. É um jogo complexo e difícil de desmontar.
Assim como nas relações pessoais, as relações políticas só vão mudar quando houver transparência, quando todos os votos forem nominais e todas as contas do governo forem abertas. É preciso abrir todas as caixas pretas, como a comissão da verdade, que colocou nomes nas torturas ditadura; como uso da Lei de acesso à informação, como o site Contas Abertas, enfim, todas as formas de dar transparência ao uso do nosso dinheiro. Enfim, o princípio básico do controle social é o direito fundamental à informação, que permite que o povo exerça algum controle sobre a gestão dos recursos públicos.
Para mim, o avanço nas políticas públicas e o uso dos impostos que pagamos em coisas que queremos que melhore, como saúde, educação, segurança, transportes, está estritamente ligado a se saber de onde vêm os recursos e quais as metas alcançadas. Como ensina meu mestre na área de defesa do consumidor, Ricardo Morishita, o que não se mede, não se melhora. É preciso medir e ter metas de melhoria. Se hoje sabemos os principais problemas que incomodam os consumidores, foi porque houve a implantação de formas de se ouvir o consumidor, através dos procons, e a consolidação das reclamações a nível nacional. Ainda estamos na luta para melhorar, mas podemos dizer, com certeza, de onde vêm os problemas.
Temos que aprender a cobrar o retorno dos impostos. A divulgação de pesquisas nacionais e internacionais sobre violência, qualidade de vida, infraestrutura e outras, nos apontam para mazelas que não melhoram há anos. Gravei esta semana um vídeo para a Voz do Cidadão falando sobre a minha proposta de que o governo diga claramente onde é investido o Imposto de Renda, por exemplo, que nos leva quase 30% do salário. É muito suor nosso, temos direito de saber qual o retorno disso para a sociedade.
É cansativo lutar, tomar conta de tudo, mudar de postura. Mas, na prática, está funcionando. Não podemos esmorecer na luta, mesmo que as ondas de conservadorismo e intolerância tentem nos desanimar. O direito à informação e a cobrança que vem a partir daí, são as estruturas de uma sociedade democrática que escolhe seu caminho. A saída é a transparência. E sim, o BNDES, a Petrobras, e todas as empresas geridas pelo dinheiro público, têm sim que prestar contas para a sociedade. E isso é só o começo. Vamos fazer uma sociedade mais democrática, mais transparente, mais justa, na qual o consumidor e o cidadão considerem justo o que recebem pelo que pagam por produtos, serviços, tributos e impostos.