Ângelo Morse e Liliane Mutti: filme sobre a Ilha da ConceiçãoDivulgação/Ascom

Niterói - Narrado pela voz inconfundível do ator-personagem Angelo Morse, o longa-metragem Ilha da Conceição, que conta a história da ilha-praia que desapareceu ao longo das últimas cinco décadas, está sendo filmado em Niterói.
Sob direção da cineasta Liliane Mutti, o filme de arquivo, promete muitas imagens de época e histórias emocionantes dos antigos moradores. O longa Ilha da Conceição desfila uma fotografia em preto e branco, revirando lembranças do tempo em que o banho de mar fazia parte da rotina dos moradores da ilha, antes da praia ser soterrada e do acesso ao mar ser fechado.
Com o crescimento do processo industrial brasileiro e a decadência do transporte náutico, a ilha foi desaparecendo ao longo das últimas cinco décadas e chega esse ano às telas do cinema, evocando a urgente questão ambiental e os impactos no cotidiano dos moradores e pescadores. As histórias narradas trazem lembranças da transformação da ilha e do presente, no qual a única entrada e saída é terrestre. O único acesso permitido de saída para o mar - como mostra o filme -, é fechado por um portão de ferro, onde a antiga praia se transformou em um estacionamento de pequenos barcos que quase não navegam mais, cercado pela água parada.
O filme é narrado em duas vozes: além de Morse, escutamos o ator português Gonçalo Mendes, que representa a imigração portuguesa. Filho de imigrantes, o ator com sotaque lusitano marcado, aborda o fluxo migratório do início do século XX, que transformou a Ilha da Conceição numa espécie de aldeia portuguesa. O fechamento do Cine Conceição também aparece no filme, pela voz de Angelo.
Ato a ato, a trama do filme é costurada por um rico acervo histórico de fotos e imagens em Super 8, digitalizadas exclusivamente e minuciosamente para o filme, que alternam com imagens ficcionadas, simbolizando o sonho de “um simples banho de mar”, no enredo do roteiro. O recurso de misturar documentos históricos - fundamentalmente fotos - e imagens em movimento ficcionadas, foi uma solução criativa para levar à tela do cinema todas as emoções e histórias contidas no roteiro. “Temos feito um imenso esforço conjunto, da equipe de historiadores do filme e de instituições renomadas da cidade, para acessar esses arquivos”, conta Liliane Mutti. “Em alguns momentos, especialmente nos quais a memória dos moradores vai além da nostalgia e se projeta no desejo da volta da rotina praieira vivida por seus pais e avós, trazemos as cenas de ficção o que contagiam o filme com uma atmosfera onírica”, completa a diretora.

O multiartista Angelo Morse falou sobre sua percepção e emoção acerca do filme e dos temas abordados: "Os depoimentos dos pescadores que perderam seu espaço natural de trabalho - o mar - são de cortar o coração. Um dos personagens da vida real, o 'Perdido', tem uma história impressionante. Uma vida sem rumo, largada ao acaso. Antigamente, os debates sobre meio ambiente nos davam uma equivocada impressão de que os estragos do homem na natureza seriam algo que sentiríamos apenas num futuro distante, pois bem, o futuro chegou e os estragos estão aí, é urgente que medidas sejam tomadas e as autoridades precisam se comprometer em mudar essa triste realidade. Para Morse, “Foi uma honra emprestar minha voz para resgatar histórias tão importantes, bonitas e ao mesmo tempo tão sofridas e tristes. Um debate necessário sobre o respeito à natureza, às pessoas, às memórias."
A pesquisa histórica sobre a Ilha da Conceição está sob responsabilidade do historiador Marcelo de Paiva, doutor pela FAU-USP, especialista em patrimônio cultural brasileiro. Para o filme, Marcelo fez um levantamento nos arquivos do Laboratório Universitário de Preservação Audiovisual (LUPA) da Universidade Federal Fluminense (UFF), coordenado pelo professor Rafael de Luna, e também no acervo da Fundação de Arte de Niterói, coordenada por Maurício Vasquez. Segundo Paiva "o filme é uma ato de amor pela valorização da memória, tanto da Ilha da Conceição enquanto território, quanto de seus habitantes. A importância de se fazer um filme como esse é o registro do passado, pensarmos o presente e qual futuro climático queremos deixar de herança para as novas gerações", ressalta o historiador.
Localizada na região central de Niterói, com vista para a ponte, a Ilha da Conceição é um rico exemplo de recorte, entre outras ilhas da região, que tiveram as praias soterradas pela instalação dos estaleiros. A maioria dessas ações foram executadas por empresas europeias, que dominavam o comercio dos portos da regiao. Hoje, a atividade pesqueira tradicional é algo praticamente impossível para os pescadores locais. Diante disso, muitos deles vivem de vender sucatas das embarcações abandonadas para os ferros-velhos da região. No início, os estaleiros foram recebidos como sinônimo de progresso. Logo foram se espalhando pelas margens das pequenas ilhas e penínsulas fazendo desaparecer as praias. A Ilha da Conceição é protagonista do filme, que ainda revela outras ilhas da região, como a Ilha do Caju, hoje totalmente privatizada. Essas pequenas ilhas foram soterradas durante a construção da ponte Rio Niterói, no período da ditadura militar brasileira, que durou 21 anos.
Liliane Mutti lança ainda, um potente olhar afetivo sobre a rotina das mulheres da ilha, que se identificam como “as viuvas do mar”, em uma alusão a São Pedro, o padroeiro da ilha e das viúvas. “Essas moradoras guardam memórias solares da doçura de uma infância correndo pela da praia de areia de biquini, mesmo sabendo que suas filhas e netas não tiveram a mesma liberdade”, destaca a cineasta, que, imagina o filme se inserindo nos debates sobre a reivindicação fluminense da despoluição da Baía da Guanabara. O filme “Ilha da Conceição” promete circular os festivais levando Niterói para o mundo e conta com apoio do Ministério da Cultura e da Prefeitura de Niterói, por meio da Lei Paulo Gustavo de fomento à cultura.