Rio - Seu carro tem freios ABS, airbag duplo, controles de tração, estabilidade e recursos adicionais de segurança? Mesmo que a resposta seja sim é preocupante informar que, ainda que com todo o aparato tecnológico, é possível estar diante de um carro que ponha a vida dos passageiros em risco. Isso por que a indústria automotiva mundial, incluindo a frota brasileira, vive uma onda de recalls — quando a montadora convoca os proprietários para levarem determinado carro à uma oficina designada após descobrir um defeito em certo componente.
As possibilidades assustam: risco de ficar sem os freios, de incêndio e até desprendimento de rodas. Numa era de compartilhamento de peças entre diversos modelos, o recall pode afetar uma gama inteira de um fabricante, caso visto na GM brasileira com o filtro de combustível. Os carros japoneses, que ostentam um selo de qualidade reconhecido no mercado, não estão livres: o Corolla, da Toyota, um dos veículos mais vendidos no mundo, também foi chamado para verificação em função de um potencial problema no airbag do passageiro. Honda e Nissan registram problema semelhante nos EUA, e a revisão pode chegar ao Brasil.
É importante ressaltar que os riscos não estão limitados aos carros mais populares, a onda do recall também atinge modelos de luxo. Donos de Jaguar, Land Rover e Volvo também tiveram que submeter seus carros a revisão compulsória. O sinal de alerta acende para o fato que tais campanhas têm afetado, em média, dezenas de milhares de unidades.
Diante do cenário, é fundamental que o consumidor saiba consultar se o seu veículo passa ou passou por um recall. No site do Denatran (https://denatran.serpro.gov.br), com o nº do Renavam é possível consultar essas informações. No portal do Ministério da Justiça (http://portal.mj.gov.br/recall/pesquisaConsumidor.jsf) são informadas as campanhas que estão em andamento.
E atenção: não há prazo para que o carro afetado por um recall seja examinado. No caso, por exemplo, da compra de um seminovo, caso o veículo não tenha sido verificado, o novo dono pode comparecer a uma oficina designada pela fabricante para a avaliação, em qualquer tempo.
GM: a campeã dos recalls
A GM, uma das maiores montadoras do mundo e com forte presença no Brasil, se encontra em uma situação delicada no que diz respeito aos recalls. No mundo, suas campanhas já identificaram cerca de 20 milhões de carros com possibilidade de apresentarem defeitos.
No Brasil, a fabricante americana convocou em maio 238,36 veículos de dez modelos (Agile, Celta, Classic, Cobalt, Cruze, Cruze Sport 6, Montana, Onix, Prisma e Spin), anos 2014 e 2015 por problema no filtro de combustível, que pode provocar incêndio.
Antes, em fevereiro, o Agile e Classic passaram por recall em razão do risco das rodas traseiras se soltarem. Em Abril, o recente Tracker teve 7.797 unidades chamadas para revisão nos freios dianteiros. Agora em junho, 2.869 unidades do sedã Malibu, que foi vendido por aqui entre 2010 e 2013, foram chamadas para reparo no sistema eletrônico que controla as luzes de freio, no sistema de assistência de frenagem de emergência, nos controle de tração, estabilidade e cruzeiro.
Entrevista: Roberto Nasser
O advogado e curador do museu nacional do automóvel, Roberto Nasser, é um especialista em assuntos relacionados à indústria automotiva. Para ele, a onda de recalls se espelha na situação financeira de determinados fabricantes. Quando as montadoras não estão com folga em caixa, pressionam os fornecedores de peças por preços melhores, situação que normalmente resulta em perda de qualidade.
É uma espécie de reação em cadeia. O fornecedor não quer perder a receita certa e periódica da montadora, portanto prefere atendê-la mesmo que não haja mais margem para reduzir seus custos. Uma das ‘soluções’ é sublocar o serviço, solicitando para empresas menos qualificadas.
Nas palavras do especialista, esta parece a mentalidade das empresas, que preferem colocar em risco a qualidade dos seus produtos em razão de manter sua liquidez operacional. As montadoras parecem contar também com o sistema ineficiente de aferição destes componentes, que não é feito individualmente, mas por amostragem em meio ao volume total.
Nasser enfatiza que o consumidor brasileiro também parece não priorizar a segurança em um automóvel. Cita, por exemplo, uma campanha de outrora da Fiat, que propôs freios ABS e airbags na sua gama em um tempo que ambos não eram lei em nosso país, por preços bastante acessíveis. Não houve adesão em massa. Acha incrível o fato de haver motoristas brasileiros que não usam ainda o cinto de segurança.
Dada a onda de recalls, com prejuízos e manchas na imagem das fabricantes de automóveis, o advogado prevê uma nova relação no processo de produção de componentes e no contrato de fornecedores. Ele aponta a padronização para toda a gama como uma solução, uma vez que gera economia de escala sem abrir mão da qualidade. Para o Brasil, sustenta que é necessário uma mudança de filosofia de diversos setores da sociedade: melhora no sistema de apuração de mortes e acidentes, celeridade da Justiça e, principalmente, o interesse da população em elementos de segurança.
“Por que o fabricante vai gastar mais dinheiro com carros mais seguros se o nosso mercado não demanda isso?”, diz ele finalizando a entrevista.