Por bferreira

Rio - As manifestações que tomaram as ruas inauguraram nova era na história do país. De mera espectadora, a sociedade civil passou a protagonista, exigindo participação efetiva no poder. Muito além dos atos de violência, os protestos colocam na berlinda parlamentares, prefeitos e governadores. Para discutir os desafios do amadurecimento político, o Brasil Econômico e O DIA convidaram o secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, o presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB, Wadih Damous, e o integrante do Meu Rio, Miguel Lago. Nas falas, um pensamento uníssono: a necessidade, imperiosa, de maior transparência na gestão dos recursos públicos.

As manifestações que tomaram o país nos últimos meses foram discutidos no debate promovido pelo Brasil Econômico e O DIAAgência O Dia

O DIA: A palavra transparência foi uma das mais presentes nas manifestações das ruas. Qual a transparência que temos hoje no Brasil?

Gil Castello Branco — Avançamos muito. Hoje, por exemplo, você pode entrar no Portal da Transparência da Controladoria Geral da União e ver o que a Presidência da República comprou ontem. Há também a Lei Complementar 131, que ainda não está em vigência plena, que obriga União, Estados e Municípios a colocarem suas contas na internet. Os municípios estão obrigados a ter um portal em que exponham as suas contas. Mais muito poucos obedecem. Os municípios com menos de 50 mil habitantes, que são a enorme maioria, não têm portal nenhum.

E no Judiciário, também se avançou na transparência?

Wadih Damous — Acho que o Poder Judiciário é um dos órgãos do Estado com mais dificuldades em ser transparente. Aqui no Rio, por exemplo, no ano passado houve amplas reportagens acerca de vencimentos de juízes e desembargadores que ultrapassam o teto constitucional. Já se sabia que diversos magistrados recebiam não é pouco acima não, é muito acima do teto.
Miguel, você que lida diretamente com o público carioca, concorda que há pouca informação sobre leis?

Miguel Lago — A maioria das pessoas, eu acho, nem conhece. Há uma grande diferença entre a Lei de Acesso à Informação federal e as estaduais e municipais. No Rio, por exemplo, para conseguir acesso à informação municipal você tem que entrar no site 1746 (da Prefeitura), fica perdido no meio do site, não tem número de protocolo, não tem um prazo de resposta, nem sequer fica sabendo se solicitou de fato.

E a reforma política, o que os senhores pensam?

Gil Castello Branco — É extremamente importante. Essa proposta da OAB, que surgiu um pouco do movimento de reforma eleitoral, por parte do pessoal do Movimento pela Ficha Limpa, que a OAB, de certa forma implantou, é uma boa proposta. As reformas que há tanto tempo se fala no Brasil, a política e a tributária, formam um consenso. Não falta um diagnóstico e sim condições políticas para implementá-las.

Como podemos criar essa cultura transparência?

Gil Castello Branco — A cultura do secreto, do sigiloso, está enraizada no brasileiro. Quem nunca teve dificuldades em conseguir um documento numa repartição púbica? Isso está enraizado. E não serão duas ou três leis que vão conseguir mudar. Mudar a cultura é algo que demora muito tempo e caminha por meio da educação e da conscientização.

Wadih Damous — A lei de acesso à informação é um fator indutor de mudança de uma cultura. Mas não é suficiente. Deveria haver mais campanhas elucidando a lei.

A transparência deveria ser ensinada na escola?

Wadih Damous — Deveria ser um capítulo à parte na área de Direito Administrativo e Constitucional. E no curso de jornalismo, nas escolas em geral. É uma discussão produtiva, que diz respeito ao dia a dia do cidadão. Quem não tem necessidade de se deparar com a repartição pública e buscar uma informação, um documento? As ruas mostraram isso para nós. Tenho medo de que esse movimento se mostre em grande frustrações, se essas demandas não forem minimamente atendidas. Temos que manter acesa essa discussão.

Miguel Lago — A cultura da administração pública não é pensada como transparente. Um problema que não é só do Brasil, como das democracias ocidentais de maneira geral. Na França, as pessoas parecem estar pouco ligando para a corrupção, porque você tem um estado que cumpre com o serviço público. Aqui não vemos na ponta o Estado cumprindo com a sua função e entregando um bem-estar social, à moda europeia. É preciso que se criem canais efetivos de participação direta. É fundamental pensar a reforma política e repensar o sistema eleitoral. Mas, muito mais, o pós-voto, um espaço de participação política efetiva. Como transformar a audiência pública em um espaço de fato de prestação de contas? É por aí.

Reportagem de Aline Salgado

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