São Paulo - Paulo Maluf chega ao portal do paraíso e é interpelado por São Pedro com a inevitável pergunta: “O que o senhor fez enquanto esteve lá na Terra?”
Maluf entrega ao Príncipe dos Apóstolos 12 volumes encadernados que enfileirados lado a lado medem mais de um metro e meio nos quais estão listadas todas as obras executadas pelo ex-prefeito e ex-governador.
São Pedro, desconfiado, franze o cenho e fixa os olhos nos 12 volumes, encara Maluf com atenção enquanto alisa a longa barba branca, olha outra vez para a pilha de papéis e num suspiro enfastiado decide: “Não tenho tempo para ler isso tudo, entre logo e não encha a minha paciência”.
A parábola com ares de anedota foi contada pelo próprio Maluf na manhã de sexta-feira durante entrevista ao iG na sala de reuniões da presidência da Eucatex, três dias antes do acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que suspende seus direitos políticos pelos próximos cinco anos, embora ainda caiba recurso da decisão.
‘Malufismo é um estado de espírito’
O objetivo da entrevista era falar sobre a anunciada aposentadoria de Maluf. Alguns meses antes, ele surpreendeu seu grupo mais próximo ao revelar que a eleição do ano que vem seria a última de sua longa e tumultuada carreira política. O anúncio foi feito em uma sala na CDHU, a companhia habitacional do governo paulista, durante o aniversário de Guilherme Ribeiro, chefe de gabinete do presidente da empresa e filho de Jesse Ribeiro, presidente municipal do PP.
“Todo mundo ficou atônito e até hoje tem gente que não acredita”, disse o jornalista Helio Mauro Armond, que acompanha o ex-prefeito há mais de 20 anos.
Na conversa, o iG perguntou sobre os passivos do ex-prefeito na Justiça e Maluf respondeu: “A Justiça não é lenta. A Justiça é boa”.
Na manhã de sexta-feira o próprio Maluf desconhecia a possibilidade de ter a aposentadoria antecipada pela Justiça. Durante uma hora e meia ele fez um balanço de seus mais de 40 anos de vida pública e, depois de contar a piada sobre a entrada no paraíso, disse acreditar que um dia será absolvido pela opinião pública. “Eu acredito que este julgamento positivo vai acontecer... acredito, vai acontecer”.
Questionado sobre o motivo da aposentadoria, ele citou a idade (tem 82 anos e terá 87 em 2018) e a vontade de passar mais tempo com a família. Adilson Laranjeira, assessor de imprensa de Maluf há mais de 20 anos, tem uma teoria diferente. Para o jornalista, Maluf já não tinha o mesmo ímpeto na política por saber que não tem mais chances de disputar um cargo no Poder Executivo. Em 2008, quando disputou a prefeitura de São Paulo pela última vez, teve apenas 5,9% dos votos. “O Legislativo não é um desafio pelo qual ele tenha atração. Paulo sempre foi um executivo”, avalia.
'A idade vai chegando, graças a Deus!'
No segundo mandato consecutivo como deputado federal, Maluf se vê como um consultor informal para os políticos mais jovens, as feijoadas que promove em seu apartamento em Brasília são concorridas por parlamentares e ministros, mas isso é pouco para quem disputou duas eleições presidenciais, quatro estaduais, outras quatro para a prefeitura e se acostumou a ter papel central na política nacional.
Embora tenha sido eleito deputado com grandes votações, seu papel no cenário político agora se resume aos bastidores. A última grande cartada foi articular o apoio do PP ao então candidato do PT à prefeitura, Fernando Haddad . O acordo foi selado com a histórica foto ao lado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos jardins da mansão onde mora há mais de 50 anos com a esposa Sylvia Lutfalla Maluf, no Jardim América.
De acordo com aliados próximos, o apoio a Haddad e a foto com Lula aumentaram o desgaste de Maluf com seu eleitorado tradicional, embora seja uma vitória pessoal para o ex-prefeito, alvo de ataques do PT por mais de trinta anos. "O malufista autêntico não aceitou o apoio ao PT", disse Laranjeira.
Segundo colaboradores antigos, a aliança não foi bem recebida nem dentro de casa. "Dona Sylvia não gostou", revelou o ex-policial militar Roque Carneiro dos Santos, 71 anos, baiano de Feira de Santana e faz-tudo de Maluf desde 1969.
Além disso, na condição de deputado o ex-prefeito ainda é obrigado a enfrentar o desgosto de cruzar pelos corredores da Câmara com Protógenes Queiroz (PC do B-SP) que em 2005, ainda na condição de delegado da Polícia Federal, foi o responsável por deixar Maluf e seu filho Flávio presos durante mais de 40 dias. Foram os piores dias da vida do ex-prefeito, de acordo com colaboradores.
Segundo testemunhas, ele vira o rosto toda vez que vê Protógenes e evita encarar o algoz até mesmo quando ambos estão sentados frente a frente na Comissão de Constituição e Justiça, da qual os dois fazem parte.
Espécie de sombra de Maluf há mais de 40 anos, Roque diz que apesar da decadência política o patrão ainda é alvo de abordagens em lugares públicos, o que confirma seu espaço cativo no imaginário popular. "Na quinta-feira desembarcamos em Guarulhos e quando entramos no ônibus o motorista falou para ele: 'falta o senhor para botar a Rota na rua'", disse Roque.
"Rota na rua" é um dos clichês associados ao malufismo ao lado de "foi Maluf que fez". Para os adversários, o nome vai ficar marcado por outra frase lapidar do pensamento conservador, "estupra, mas não mata", e pelo verbo "malufar", que entrou para os dicionários como sinônimo de mal feitos com dinheiro público.
Em seu balanço pessoal, Maluf destaca o papel de tocador de obras registradas nos 12 volumes que um dia ele pretende entregar a São Pedro, do político que desafiou o Regime Militar (do qual fez parte com entusiasmo) ao derrotar Laudo Natel – o preferido do general Ernesto Geisel – na disputa interna pelo o governo de São Paulo, em 1978, e do prefeito mais bem avaliado de São Paulo. Além de um acervo de centenas de fotos nas quais aparece ao lado de grandes líderes nacionais e mundiais organizado pessoalmente por Sylvia.
'Se eu não tivesse sido candidato, não tinha aliança democrática'
Na Justiça, o balanço ainda está longe de terminar. Maluf é alvo de dezenas de processos por supostas irregularidades em seus mandatos como prefeito e governador. Um deles cobra a devolução de R$ 700 milhões investidos na Paulipetro na década de 80. Sem contar o pedido de prisão internacional feito pela Justiça de Nova York que o impede de sair do Brasil para desfrutar das viagens de férias anuais a Paris e ao Líbano.
Politicamente, Maluf diz não deixar herdeiros - ele proibiu os filhos e netos de entrarem para a política - mas acredita na sobrevivência do malufismo e num resgate de seu legado pelas gerações futuras. "O malufismo é um estado de espírito", resume ele.
Adilson Laranjeira compara o fenômeno a outros políticos emblemáticos como Juscelino Kubitschek e Janio Quadros que também não deixaram herdeiros.
Embora repita sempre o mantra "valeu a pena" toda vez que é questionado sobre sua trajetória pública, Maluf revelou que guarda mágoa. "Sofri muito. Uma vez minha mãe me perguntou se aquilo que estava nos jornais era verdade", disse ele ao iG , com os olhos marejados.
As informações são do repórter Ricardo Galhardo, do iG