Pernambuco - Crianças e adolescentes encaminhados a casas de acolhimento do Recife convivem com a superlotação e dificuldades de ver garantido seu direito à convivência familiar, de acordo com estudo apresentado no Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) pela juíza Ana Paula Lira Melo, da 1ª Vara da Infância do Recife.
Havia 20 casas de acolhida em 2011 no município. Atualmente há 12. Metade está superlotada, de acordo com o Núcleo de Orientação e Fiscalização de Entidades (Nofe) da 1º Vara da Infância e Juventude do Recife. Atualmente, há 245 vagas e 240 acolhidos no município, mas o número pode variar em função de menores que usam as dependências esporadicamente para dormir ou comer e não têm o local como residência fixa.
Já não há capacidade para receber bebês (de 0 a 3 anos), grupos de irmãos de grande diferença de idade e de ambos os sexos no município. Há vagas apenas em casas que atendem apenas um dos sexos, crianças e adolescentes em situação de rua ou com histórico de envolvimento com drogas.
Sem vagas, é preciso encaminhar as crianças e adolescentes retiradas de suas casas para unidades inadequadas ao seu perfil ou localizadas em outros município, o que vai contra a tentativa de mantê-las próximas às suas famílias para a tentativa de retorno ao lar.
A lei de adoção (12.010/2009) estabelece como prioridade a reinserção das crianças e adolescentes encaminhados às casas de acolhidas à convivência familiar original. A convivência familiar é fundamental para a formação da personalidade e sua constituição como cidadão, diz Ana Paula Lira Melo, autora da dissertação de mestrado. A municipalização do serviço seria um incentivo para manter esta proximidade enquanto a família se reestrutura para voltar a receber a criança. Se a família não consegue se reorganizar neste prazo, a alternativa é a adoção.
A lei caracteriza também como “temporário e excepcional” o acolhimento institucional, com prazo máximo de dois anos. Mas o prazo não é cumprido, por exemplo, nas duas das casas de acolhimento do Recife dedicadas ao atendimento de crianças e adolescentes com necessidades especiais (problemas neuromotores e neurológicos).
Uma delas tem capacidade para receber 40 pessoas, mas abriga mais do que isso - sendo que 32 delas já têm mais de 18 anos. Algumas chegaram ainda crianças e, sem adoção ou possibilidade de reinserção na família, seguem no convívio das pessoas com quem desenvolveram vínculos ao longo da vida. Segundo o Nofe, os maiores de 18 anos, com ou sem necessidades especiais, devem ser encaminhados a repúblicas, mas o município não conta com este tipo de serviço. Na outra casa, há 15 vagas e 17 moradores. Parte deles não possui necessidades especiais, mas deve ficar junto aos irmãos que precisam de acompanhamento.
Entre as consequências do número excessivo, além do espaço reduzido, há bebês dividindo berços, falta de material de higiene, número de funcionários insuficiente para atender a demanda, como psicólogos e assistentes sociais, desrespeito à privacidade e à individualização dos objetos dos acolhidos. Entre os casos mais graves, estão agressões de menores a funcionários e conflitos entre os próprios menores. Um deles foi um caso de estupro ocorrido no mês dezembro de 2013, envolvendo um adolescente de 12 e uma criança de 6, segundo o Nofe. A unidade em que a infração foi registrada tem capacidade para 20 moradores, mas abriga 32. Não há registros no Nofe de casos de maus tratos cometidos por funcionários.
Em todo o País, há 40.340 crianças e adolescentes em 47.176 vagas em casas de acolhimento, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Há 230 com mais acolhidos que vagas. “Superlotação existe, mas não é a regra”, afirma Valesca Monte, membro auxiliar da Comissão da Infância e Juventude do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). O Ministério Público é responsável pela fiscalização periódica das casas. As visitas são semestrais em municípios com mais de 5 milhões de habitantes, quadrimestrais nos de um a 5 milhões e trimestrais nos de menos de um milhão.
Adoção
Há 28.151 pretendentes e 5.281 crianças e adolescentes disponíveis para a adoção no País - uma média de cinco interessados para cada uma. No entanto, o perfil desejado pelos pretendentes restringe a possibilidade de convivência familiar. A idade é requisito determinante. Enquanto 92,7% dos pretendentes desejam uma criança de 0 a 5 anos, apenas 8,8% se encaixam no perfil.
A situação ajuda a manter ainda mais crianças e adolescentes por mais tempo nas instituições, descumprindo o prazo máximo de dois anos de permanência e aumentando o risco de saírem da casa apenas aos 18 anos, sem ter garantido o direito à convivência familiar.
Faltam campanhas para orientar os pretendentes sobre a possibilidade de flexibilizar o perfil desejado e incluir, por exemplo, adolescentes, negros, grupos de irmãos ou crianças com deficiência física, mental ou problemas comportamentais, na avaliação do advogado Antonio Carlos Berlini, presidente da Comissão Especial de Direito à Adoção da OAB-SP. “Essas crianças estão abandonadas pela família, Estado e sociedade. Elas não colocam fogo em colchão, não ameaçam refém com estilete, não sobem no telhado do abrigo para reclamar seus direitos. Elas estão lá simplesmente depositadas e esquecidas por todos”, afirma.