Por victor.duarte
O coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, dos mais conhecidos nomes da repressão organizada pelo Estado durante a ditadura militar, escreveu uma apostila com métodos e técnicas para torturar e obter informações de opositores do regime. Intitulada “Cobertura de ponto e neutralização de aparelhos”, a apostila foi escrita quando o hoje coronel reformado era instrutor da Escola Nacional de Informações (EsNI), instituição que formou militares especializados em investigar aqueles que eram apontados como inimigos do governo. Nas ações, o assassinato de militantes não era algo a ser evitado. Detalhes sobre o documento vieram à tona com o Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade.

Ustra, conhecido também pelo codinome de 'Dr. Tibiriçá', foi o primeiro militar reconhecido pela Justiça como torturador, por conta dos anos em que foi chefe do Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) do II Exército, entre 1970 e 1974 em São Paulo. Depois, foi responsável pela incorporação de módulos específicos sobre os centro de repressão nos cursos da Escola. O material didático das aulas era a apostila, baseada em fatos reais, como o coronel admitiu em depoimento à CNV em 2013.

As operações deveriam ser especialmente agressivas quando lidassem com a “subversão”, escreveu Ustra, deixando claro que ações contra os opositores não precisariam ser justificadas por policiais e militares. O coronel ensinava o que fazer no caso de militantes feridos durante alguma ação repressiva: salvá-los não era o mais importante. “Deve-se verificar seu estado, revistá-lo, manter o militante sob guarda, comunicar ao chefe da operação e evacuá-lo de acordo com as ordens recebidas”. O respeito às vidas alheias só aparecia em caso de ações em áreas com “inocentes e populares”. “Qualquer ação injustificada [...] contra pessoas inocentes e populares, executada por órgão de segurança é vitória para a subversão”, ensinou Dr. Tibiriçá. “

Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi)Divulgacao / ascom CNV

Na apostila, Ustra dizia que um interrogatório deixava de ser apenas um ato de tomada de depoimento para ser “graduado em intensidade” quando começavam as sessões de tortura. Para garantir a liberdade de atuação dos agentes, parentes dos militantes eram mantidos sem nenhuma informação, e chegavam a ser torturados. Ustra também deu “dicas” sobre arrombamentos e diferentes procedimentos a serem usados em casas e apartamentos. Explosivos só em último caso.

O Relatório traz como exemplo a prisão de Osvaldo Soares, o “Miguel”, membro da Vanguarda Popular Revolucionária , em 17 de maio de 1970, descrito em detalhes na apostila de Ustra. Naquela noite, agentes do Doi-Codi o acompanharam até sua casa, depois que ele, “em pouco tempo de interrogatório, abriu seu aparelho”. Como ocultou informações se haviam mais pessoas dentro da casa, o coronel relata que foi necessário “interrogá-lo com mais rigor por cerca de 30 minutos”. “Interrogar” com mais rigor” é sinônimo de torturar, palavra que não deveria ser escrita em um documento como este”, diz o texto oficial da CNV.