Rio - Obra do destino, a frase que fechou a entrevista de Eduardo Campos ao ‘Jornal Nacional’, em 12 de agosto de 2014, tornou-se epitáfio e ponto de partida para a disputa do legado daquele se projetava como liderança nacional. O “Não vamos desistir do Brasil” dito pelo então presidenciável do PSB virou símbolo da tragédia que exatamente há um ano chocou o país.
Sem ele, a família se recompõe em meio às homenagens, e o filho João deve ser candidato a deputado federal em 2018. Sem ele, o PSB titubeia entre a esquerda e a direita, na esperança de encontrar um nome à altura. No novo cenário, a direção nacional espera, por exemplo, que o senador Romário decida se candidatar à Prefeitura do Rio ano que vem. É parte de uma reconstrução doída, sem o homem em que até o ex-presidente Lula apostava como futuro ocupante do Planalto.
“O PSB é um partido à deriva sem seu timoneiro”, avalia a deputada federal e ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina. Ela é uma das vozes socialistas que lamentam a ausência de Campos num momento de crise econômica, política e de “esperança”. “Pela juventude e pela projeção, Eduardo poderia ser o articulador para tirar o país da crise. A democracia está ameaçada no Brasil, e Eduardo não aceitaria a retirada de direitos do governo, tampouco impeachment”, afirma Erundina, que era da direção nacional do PSB há um ano.
‘A GENTE VAI DECOLAR’
Em um mês de campanha à Presidência, Campos não conseguiu sair dos 10% nas pesquisas. Mas tinha certeza de que poderia ser alternativa viável às candidaturas de Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB). “Quando começarem os debates, a gente vai decolar. E já vai começar agora”, disse Campos ao deputado federal Glauber Braga (RJ), em caminhada no Centro do Rio. O “agora” dito por Campos era em referência à entrevista no ‘JN’: à época do diálogo com o parlamentar, faltava uma semana para ele falar ao vivo em rede aberta. “Em qualquer eleição que ele disputasse, seu nome seria muito competitivo. Era uma liderança de visão profunda e que iria crescer”, crava.
Neto do ex-governador Miguel Arraes, Eduardo Campos foi deputado estadual e federal, líder do PSB, ministro e governador reeleito com 80% dos votos em 2010, sempre alinhado e protegido por Lula. “Tinha uma conversa de que ele fosse o candidato do Lula em 2018. Foi sugerido o nome dele várias vezes, por pessoas próximas, dirigentes do PT...”, relembra o ex-ministro e ex-presidente nacional do PSB Roberto Amaral. “O processo histórico produz a crise, mas oferece um personagem que seja à altura da crise. Esse personagem não há, as lideranças desapareceram. Eduardo era promissor, novo na idade e nos métodos”, resume.
Eduardo costurou uma candidatura ao Planalto em que foi aliado do PT em alguns estados e do PSDB em outros. A desenvoltura garantiu que o hoje senador e provável candidato à prefeitura Romário ficasse na legenda em 2013, depois que o então presidente estadual do PSB no Rio, Alexandre Cardoso, o barrara.
Observando um bom quadro no Baixinho, o então governador de Pernambuco teve que entregar-lhe a presidência do diretório fluminense a contragosto, segundo alguns socialistas. No fim do ano passado, a Executiva Nacional dissolveu a direção eleita e reconduziu Romário. “Foi justamente o Eduardo que bancou a minha candidatura ao Senado. Ele tanto me apoiou, como também garantiu o apoio do partido, pois tinha gente que me queria como deputado federal”, rebateu o ex-jogador. “Ele era o cara do diálogo, embora se saísse muito bem na guerra. Não torceria para as coisas darem errado no Brasil, como alguns líderes fazem hoje”, opinou o Baixinho.
Ao analisar o quadro do partido no estado, Roberto Amaral é categórico. “O PSB só não está em crise no Rio: simplesmente não existe mais no Rio. Só uma sigla, que vai cumprir um papel”.
DEPOIS DA TRAGÉDIA
Campos se foi, a corrida eleitoral de 2014 virou de ponta-cabeça, o PSB perdeu o rumo, e Marina mirou o Planalto pela segunda vez — uma campanha com poucos recursos e posições contraditórias, encerrada com o apoio a Aécio Neves no segundo turno.
“A decisão de se unir ao Aécio contrariou toda a defesa do Eduardo, que era quebrar a polarização entre PT e PSDB. Essa decisão provocou fissuras no partido. Houve cizânia no grupo dela também”, conta Erundina, que relata dificuldades irreconciliáveis entre militantes socialistas e a Rede Sustentabilidade, partido que a ex-ministra do Meio Ambiente ainda tenta fundar. “Depois da morte, houve uma crise interna gerada pela comoção. Foi muito difícil. Ela nunca veio para o PSB de fato”, emenda Erundina. “Marina não mostrou ter base social. Seu desempenho na eleição foi caótico, alternando posições e modificando planos de governo quando submetida a críticas. Nem seu partido conseguiu fundar. Difícil engatar em 2018”, analisa Felipe Borba, professor da Unirio.
Para Roberto Amaral, a morte de Campos mergulhou o PSB em contradições. “Tivemos uma extraordinária ascensão após a tragédia (Marina chegou a liderar pesquisa no segundo turno) e fomos ficando para trás. O partido errou no curto, médio e longo prazos, depois, ao apoiar Aécio”, concorda o ex-ministro. Tanto ele como Erundina deixaram a Executiva Nacional do partido. “A mutação ideológica do partido é cada vez mais acentuada”, pondera Felipe Borba.
Secretário-geral do PSB e presidente da Fundação João Mangabeira, Renato Casagrande afirma que o partido segue sem liderança, mas que deve pensar num projeto alternativo ao do PT e do PSDB para 2018.
E deve crescer: para isso, a legenda deve lançar Romário para a prefeitura em 2016 e torce para que a ex-prefeita de São Paulo e senadora Marta Suplicy enfim se filie à legenda. “Ninguém tem a pretensão de ocupar o lugar dele. Aos poucos o partido vai se recuperar e vamos ter candidaturas em pelo menos 15 capitais em 2016”, indicou.