Por thiago.antunes
Brasília - Enquanto políticos, empreiteiros, advogados e lobistas envolvidos na Operação Lava Jato amargam seus dias na cadeia, os dirigentes da mineradora Samarco, presidida por Ricardo Vescovi e controlada pelas gigantes Vale e a anglo-australiana BHP Billiton, continuam impunes e, por enquanto, aparentemente longe de sofrer qualquer sanção.
Até mesmo as multas de R$ 250 milhões aplicadas pelo Ibama à Samarco correm o risco de não serem totalmente pagas, uma vez que ainda cabem recursos e existem brechas na lei para burlar a punição. Considerado muito abaixo dos danos causados — estimados em R$ 20 bilhões —, o valor da multa também não estimula que ações para evitar tragédias como a de Mariana sejam tomadas.
Relator do Código de Mineração%2C Leonardo Quintão vai obrigar as mineradoras a ter plano de evacuação Agência Câmara

Há dez dias, a mineradora recebeu cinco autos de infração no valor de R$ 50 milhões cada, totalizando os R$ 250 milhões. Foi aplicado o valor máximo previsto em todos os artigos existentes na lei que puderam ser relacionados com a tragédia de Mariana. As multas, no entanto, foram consideradas tímidas. O Ibama vem defendendo o fim do teto de R$ 50 milhões para punições ambientais.

“A função da multa é dissuadir a prática infracional. É impor ao infrator os custos dos danos por ele causados. Por isso o teto de R$ 50 milhões não é viável: empresas podem incorporar essa multa em suas operações e não adotar práticas que sejam, de fato, sustentáveis e evitem danos”, observou Luciano Evaristo, diretor de Proteção Ambiental do Ibama, em audiência pública na semana passada, na Câmara dos Deputados.

Lama de rejeitos de minério de ferro%2C em Colatina (ES)Reprodução TV

Além do baixo valor, a falta de pagamento das multas aplicadas a infratores de regras ambientais é uma prática recorrente no Brasil. Relatório do Ibama entregue ao Tribunal de Contas da União (TCU) aponta que, de cada 100 reais em multas aplicadas pelo instituto desde 2011 para quem infringiu regras ambientais, menos de três reais entraram no caixa do governo federal.

Entre janeiro 2011 e setembro de 2015, foram aplicados R$ 16,5 bilhões em punições, a empresas que emitiram gases poluidores acima do limite aceitável, petroleiras responsáveis por derramamento de óleo no mar ou madeireiras que desmataram áreas proibidas, entre outros. Desse valor, apenas R$ 494,2 milhões — ou seja, pouco mais de 30% do total — acabaram sendo efetivamente pagos pelas empresas infratoras. Os valores arrecadados vão para os cofres da União e 20% são aplicados no Fundo Nacional do Meio Ambiente.

Em discussão, o novo Código

As discussões sobre a reformulação do Código de Mineração, em vigor desde 1967, ganharam força na Câmara depois da tragédia em Mariana. O novo texto com o marco regulador da atividade mineradora no Brasil vai perder artigos considerados controversos e deverá privilegiar os mecanismos de segurança das operações das barragens.

Clique na imagem para ampliar o infográficoArte%3A O Dia

Uma das propostas que estava no texto preliminar do novo código e que deverá ser retirada é o polêmico artigo 119, que subjuga à anuência de órgão federal “a criação de qualquer atividade que tenha potencial de impedimento da atividade de mineração”. Esse ponto influiria na demarcação de áreas de proteção ambiental, terras indígenas e territórios quilombolas.

Em discussão na Câmara desde 2013, o novo Código de Mineração também irá tornar obrigatória a apresentação pelas mineradoras de plano de evacuação e de contingenciamento de barragens para o caso de acidentes; de plano de tratamento e reciclagem dos rejeitos da exploração de minério; e de um seguro de danos gerais correspondente ao risco apresentado pela barragem.

Relatado pelo deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG), o projeto preliminar foi criticado por movimentos sociais, que apontavam o afrouxamento da governança dos recursos minerais e da proteção socioambiental. “Temos que aprender com um evento como o de Mariana e diminuir os riscos, aumentando proteção e segurança das barragens”, diz Quintão.

Enxurrada de lama devastou Rio Doce em Bento Rodrigues e Mariana%2C em Minas Gerais%2C e mudou a cor da água em Regência%2C no Espírito Santo%2C onde o rio deságua no marFoto%3ACacau Fernandes/ Parceiro/ Agência O Dia

Recuperação tem custo bilionário

Há 24 dias, após o rompimento de uma barragem da Samarco, em Mariana (MG), um tsunami com cerca de 40 bilhões de litros de lama destruiu o vilarejo de Bento Rodrigues, matou milhares de peixes, invadiu o litoral do Espírito Santo, abalou o abastecimento de água de cidades ao longo do caminho e deixou ao menos 13 mortos e dez desaparecidos — há cinco corpos ainda sem identificação.

Os danos ambientais provocados pelo rompimento da barragem devem durar décadas e os custos para atenuá-los serão bilionários.  Nesse sentido, o governo federal dará o primeiro passo amanhã quando promete entrar com ação civil pública contra a Samarco e suas controladoras, a Vale e a BHP, para que a Justiça determine a criação de um fundo de R$ 20 bilhões.

Enxurrada de lama devastou Rio Doce em Bento Rodrigues e Mariana%2C em Minas Gerais%2C e mudou a cor da água em Regência%2C no Espírito Santo%2C onde o rio deságua no marFoto%3ACacau Fernandes/ Parceiro/ Agência O Dia

Esse fundo será gerenciado pela Justiça. O pagamento não vai ser feito todo de uma vez pelas mineradoras, mas sim com base no faturamento ou no lucro das três empresas. Segundo a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, o montante de R$ 20 bilhões está “desenhado para dez ou 12 anos”, mas os efeitos da revitalização podem se estender por até 25 anos.

“Isso terá que ser feito com o tempo. É impossível saber hoje como a natureza estará daqui a dez anos”, observa a ministra ao ressaltar que o episódio não é um desastre natural, e que, portanto, as empresas responsáveis têm de pagar pelo que aconteceu.