Por bferreira

Rio - Trabalhadores do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), em Itaboraí, mantiveram ontem a greve e entraram em confronto com a Polícia Militar numa via de acesso ao empreendimento. Na assembleia com mais de 20 mil operários, segundo a PM, os grevistas votaram pela manutenção da paralisação que completa hoje 37 dias.

Com as paralisações ocorridas no ano passado e a atual, o cronograma de implantação do Comperj está comprometido e o início das operações já foi adiado por duas vezes. Agora, a estimativa é que a obra seja concluída em 2016.

O projeto de refinaria da Petrobras é hoje um dos maiores investimentos no Estado do Rio, na ordem de R$ 16 bilhões. Para se ter uma ideia da importância do empreendimento, a construção da Usina Angra 3 está avaliada em R$ 10 bilhões e a implantação do Porto Maravilha tem recursos na ordem de R$ 8 bilhões.

CONFRONTO

Após a assembleia que manteve a greve, os manifestantes fecharam a Rodovia RJ-116 (Itaboraí–Nova Friburgo–Macuco) por uma hora nos dois sentidos. Depois, decidiram seguir em caminhada até a entrada do Comperj. PMs do Batalhão de Choque e do 35º BPM (Itaboraí) fizeram barreira a poucos metros do complexo, na Estrada do Jacu, para impedir o acesso dos grevistas, que queriam ser recebidos por representantes da Petrobras e das empresas prestadoras de serviços.

Bombas de efeito moral foram usadas para dispersar os manifestantes, que reagiram jogando pedras. No auge do confronto, um oficial do 35º BPM sacou uma arma, mas não ouve disparos.

O carro de som do Sindicato dos Trabalhadores do Plano da Construção, Montagem e Manutenção de São Gonçalo, Itaboraí e Região (Sinticom) foi apreendido e o motorista detido, acusado de desobediência. Porém, ao fim do dia, o motorista foi solto e o veículo liberado.

Para os operários, a PM agiu com truculência ao impedir a entrada dos grevistas no local, dando início ao conflito. “Aqui não tem bandido, só trabalhador. Não precisava dessa truculência toda da PM. Queremos apenas ser ouvidos pela Petrobras, já que o sindicato patronal não quer negociar”, reclamou um dos grevistas, que não quis se identificar.

O comandante do 35º BPM, tenente-coronel Fernando Salema, negou truculência. Segundo ele, não ouve feridos e apenas bombas de efeito moral foram usadas para evitar o avanço dos manifestantes às instalações do Comperj.

“Demos todo o apoio aos grevistas durante os quase 10 quilômetros de caminhada. Além de mediarmos o encontro dos manifestantes com a direção do Comperj, solicitamos a uma das empresas 20 galões de água para os manifestantes, que estavam no sol a pino, após os ânimos se acalmarem”, argumentou Salema.

Sobre o oficial que sacou da arma, ele disse que conversaria com o militar. “Sabemos que não é a atitude certa, mas como no início os operários estavam muito nervosos, forçando a passagem e jogando pedras, o PM agiu daquela forma por se sentir ameaçado. Porém, não houve tiro e ninguém foi ferido”, afirmou.

Multa pela paralisação só é cobrada após dissídio

Uma nova assembleia foi convocada para hoje pelo Sinticom na tentativa de novamente solicitar que os grevistas voltem ao trabalho e, assim, que as negociações sejam retomadas. Marcos Hartuns, assessor do presidente do Sinticom, Manuel Vaz, afirmou que, após a manifestação de ontem, uma comissão de 10 operários foi recebida pela direção da Petrobras no Comperj. Ele informou que a estatal prometeu se reunir com os diretores das empresas dos consórcios, a fim de pedir a retomada das negociações. “Entretanto, para ponderar junto às empresas, eles querem que a gente volte ao trabalho. Como a greve foi julgada ilegal pela Justiça, acredito que seria a melhor solução agora.

Desde o dia 27 de fevereiro, o movimento foi considerado abusivo pelo Tribunal Regional do Trabalho, sob multa diária de R$ 10 mil para o Sinticom. Hoje, contabilizam 14 dias de ilegalidade do movimento, gerando R$ 140 mil de dívida. O TRT/RJ informou, em nota, que o dissídio coletivo do Comperj ainda está em trâmite, e, portanto, no momento, o Tribunal não tem como se posicionar oficialmente sobre a questão da execução da multa.

Em outra nota, os sindicatos patronais que atuam no Comperj (Sindemon e Sinicon) informaram que estão em negociação com o sindicato dos trabalhadores (Sinticom), visando acordo que seja satisfatório às empresas e aos operários, prezando pelos direitos e deveres dos dois grupos interessados.

“A greve foi considerada ilegal pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) em fevereiro, determinando a volta imediata ao trabalho. A continuidade da paralisação parece ocorrer em virtude da atuação de pessoas e grupos interessados em desestabilizar as negociações entre Sindemon/ Sinicon e Sinticom, visto que o Sinticom é a única instituição legitimada a representar os cerca de 28 mil trabalhadores do Comperj nas negociações com o Sindemon e o Sinicon”, informou a nota dos sindicatos patronais. A nota ainda “repudia e condena, veementemente, qualquer prática de violência”.

Operários divergem de representantes do sindicato

Os operários que trabalham na construção do Comperj estão em greve desde o dia 5 de fevereiro. Uma divergência entre boa parte dos trabalhadores e a direção do Sinticom impede que haja uma solução final para o movimento.

Enquanto os grevistas reivindicam reajuste salarial de 11,5%, além de aumento no valor de benefícios, como o vale-alimentação, as construtoras responsáveis pela obra oferecem 7% de correção. Num primeiro momento, a direção do Sinticom apoiou encerrar a greve, caso fosse aceita a proposta do Ministério Público do Trabalho. No dia 19 de fevereiro, em reunião de conciliação, os promotores elaboraram uma proposta de aumento em 9%, mas não houve acordo entre os grevistas e a direção do sindicato.

De acordo com a entidade, cerca de 70% dos mais de 28 mil funcionários do Comperj aderiram à greve. O movimento foi declarado ilegal pelo Tribunal Regional do Trabalho.

Em três momentos anteriores, um carro do sindicato foi queimado e, posteriormente, dois funcionários baleados por uma dupla de motociclistas mascarados. Um ônibus foi queimado.

Ontem, o operário Manuel Rubem Ribeiro de Moura, de 52 anos, da Fidens, uma das empresas do Comperj, morreu atropelado quando retornava da manifestação, no bairro de Venda das Pedras, em Itaboraí, por um Fox prata, placa QYC–0881 (Itaboraí) que passava pela Rua 22 de Maio. “Lamentamos esta perda. Vamos dar todo o apoio a família do operário. O advogado do sindicato fará contato com os familiares do trabalhador para ver o que eles necessitam”, afirmou um assessor do Sinticom.

Em nota, a Petrobras informa que está atuando para garantir a segurança de toda a força de trabalho do Comperj, tanto própria como das demais empresas que ali atuam. A empresa diz ainda que acompanha as negociações entre os representantes dos trabalhadores e das empresas, e espera um desfecho adequado para ambas as partes.

ADRIANO PIRES E ANDRE VIZ: ‘GREVE É BOA PARA A PETROBRAS’
ENGENHEIRO E ADVOGADO

Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, avalia que é de interesse da Petrobras que as obras do Comperj atrasem. O que justificaria a falta da empenho da estatal na solução do impasse.

1. Por que a Petrobras ainda não se mobilizou para tentar acabar com a greve?

Pires - A Petrobras não está com pressa para acabar com a greve. Até é um bom negócio para ela já que está com falta de capital de investimento.

2. Quando que a obra do Comperj estará pronta?

Pires — A obra da Petrobras não será mais um polo petroquímico e sim apenas uma refinaria. Inclusive as obras estão atrasadas. Inicialmente estava prevista para terminar em 2013 e agora somente no fim de 2016”.

3. Como resolver a disputa interna de uma categoria?

Viz — A queda de braços sempre vai existir. Em algumas profissões há até mais de um sindicato tentando representar uma categoria. O que é proibido. Sem contar que forças políticas também acabam se envolvendo para tirar proveito quando percebem que a catogoria está dividida”


Você pode gostar