Por adriano.araujo

Rio - Os quatro maiores clubes cariocas — Flamengo, Vasco, Botafogo e Fluminense — estão endividados em R$ 2,4 bilhões. Juntos, eles respondem por 47% da dívida dos 20 maiores times do país, que chega a R$ 5,1 bilhões. O cálculo foi feito pelo consultor de marketing e gestão esportiva Amir Somoggi, com base nos balanços financeiros das equipes relativos a 2013. São valores que incluem dívidas trabalhistas e fiscais, ou seja, dinheiro que iria para os cofres públicos e seria revertido para o cidadão, como o INSS e o Imposto de Renda. Somente à Previdência, o Fluminense deve R$ 22 milhões e o Botafogo, R$ 33,8 milhões, segundo a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. O rombo do Flamengo e do Vasco com o INSS não consta no sistema de consulta do órgão porque eles fizeram um acordo com a Procuradoria para parcelar os valores.

A chaga dos clubes passa, de um lado, por digirentes extremamente perdulários. Como têm mandatos transitórios e não são responsabilizados por seus atos, os cartolas negligenciam as finanças e gastam dinheiro a ser recebido futuramente, principalmente em cotas de TV, prejudicando gestões futuras. “Clubes não têm dono. Os dirigentes são passageiros e isso não dói no bolso deles”, diz Eduardo Carlezzo, advogado especializado em direito desportivo . “Eles preferem montar um time forte a pagar impostos”, completa Fernando Ferreira, sócio da consultoria Pluri, especializada em futebol. 

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Da parte do governo, houve uma indulgência histórica com os clubes. “A Receita sempre soube do problema, mas nunca o enfrentou porque os valores não eram tão altos. Mas se, em 2003, o faturamento dos clubes somava R$ 600 milhões, hoje é de R$ 3 bilhões”, afirma Almir Somoggi. Para especialistas, a União chegou ao seu ponto de saturação. Desde o ano passado, clubes como Fluminense, Botafogo e Corinthians tiveram parte de sua renda penhorada em ações de cobrança, um indicativo de que o cerco está se apertando. Procurados, os times cariocas não se manifestaram sobre o assunto.

Parcelamento

Após tentativas malfadadas de refinanciamento das dívidas, como a loteria Timemania, a Câmara discute um projeto de lei que pode acabar com os calotes dos cartolas, pelo menos em relação aos débitos fiscais. A proposta dá aos clubes 25 anos para o parcelamento, mas exige contrapartidas. Os dirigentes, por exemplo, serão pessoalmente responsabilizados por rombos no orçamento, e o time que não estiver em dia com suas obrigações será rebaixado nas competições.

A proposta também acaba com a antecipação de receitas. “Não têm cabimento essas antecipações faraônicas, em que dirigentes invadem mandatos futuros”, afirma o deputado Otávio Leite (PSDB-RJ), autor do substitutivo aprovado na comissão especial que analisa a matéria na Câmara. O projeto pode ir a plenário na próxima semana.

Toma lá da cá futebolístico

“Os clubes de futebol são uma reprodução fiel da política brasileira”. A analogia é de Fernando Ferreira, da Pluri consultoria. Para ele, o comportamento dos governantes é similar ao dos cartolas. Ambos têm o hábito de sangrar os cofres em ações populistas — no caso, contratações milionárias sem lastro — e deixar o problema para os sucessores.

Já os conselhos dos clubes funcionariam como órgãos governamentais regidos pela prática do toma-lá-dá-cá. “O dirigente monta uma chapa enorme e, depois de eleito, faz igualzinho ao governo, distribuindo cargos para quem deu apoio político. Aí tem médico na diretoria de patrimônio, advogado no departamento de futebol, engenheiro no marketing... É uma salada”, lamenta.

Prejuízo para funcionários

O calote dos clubes afeta diretamente a vida dos funcionários do futebol. O elenco do Botafogo é um dos que estão sendo prejudicados. Com sua renda penhorada pela Justiça, o time está com salários atrasados há mais de dois meses. Os empregados receberam parte do valor devido no início de maio, graças a uma ação judicial movida pelo sindicato que representa os funcionários de clubes.

“Muitos dirigentes assumem compromissos, não pagam e nada acontece. Para quem ficou sem receber, é um impacto terrível”, afirma Alfredo Sampaio, presidente do Sindicato dos Atletas de Futebol do Rio (Saferj). “O atleta pode acionar a Justiça, mas a burocracia é grande. Tem jogador há dez anos na fila para receber”.

CINCO MINUTOS COM: Romário, deputado federal

Um dos deputados mais atuantes na matéria de esportes, o ex-jogador Romário (PSB) diz que a lei que está sendo discutida no Congresso é um avanço para a gestão dos clubes de futebol no país.

1. O governo é eficiente ao cobrar os clubes?

O governo consegue detectar as dívidas, o problema é a cobrança. São processos lentos e, quando a cobrança chega aos clubes, o dirigente nem está mais lá.

2. A lei que está sendo discutida é um avanço?

O projeto traz avanços, como princípios de gestão mais eficiente e parcelamento da dívida em condições para que os clubes possam honrar seus compromissos. E o mais importante: quem não honrar será rebaixado. Mas o projeto teve seus problemas também: tentamos taxar a CBF com uma contribuição de intervenção econômica, mas o lobby derrubou essa ideia. Foi uma pena ver a ação dessa entidade contra os interesses do esporte brasileiro.

3. Qual é sua opinião sobre os programas como a Timemania?

A Timemania foi um fracasso. Basicamente porque a arrecadação foi muito abaixo do esperado, e os clubes aceitaram o parcelamento de suas dívidas para conseguir certidões negativas.

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