Por bferreira

Rio - A jornada excessiva de trabalho, que tira o empregado do convívio familiar, das relações sociais e frustra projetos de vida, rende indenizações na Justiça com base no chamado dano existencial. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) considera essa prática abusiva e que extrapola o dano moral e os assédios moral e sexual. Em recente decisão, a Primeira Turma do TST condenou empresa no Mato Grosso (MT) a indenizar em R$ 25 mil economista que ficou nove anos sem tirar férias. Para o tribunal, houve violação do Artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal.

Pelo conceito de dano existencial, inspirado no sistema jurídico italiano, o trabalho não é apenas fonte de recursos para garantir a subsistência. É também instrumento de afirmação social, explicou, o ministro do TST Douglas Alencar Rodrigues. “É fundamental o direito ao lazer, à socialização, ao convívio familiar”, defendeu.

Segundo o ministro, a privação do direito às férias, do descanso semanal remunerado pela exigência de horas extras, em limites excessivos, abre possibilidade do trabalhador requerer indenização na Justiça.

O garçom do bar Enchendo Linguiça William Oliveira, 27 anos, conta ser difícil estar longe da família e dos amigos em razão do trabalho. Ele trabalha 8 horas por dia, inclusive nos fins de semana e feriados. “A minha empresa respeita o meu horário, mas a minha atividade requer que eu trabalhe quando outros profissionais estão descansando”, afirma.

O profissional acrescenta que gostaria de ter mais tempo livre. “É importante ter lazer e estar com as pessoas que gostamos, mas temos contas para pagar?”, ressalta.

A advogada Patrícia Correa Gebara, do Moraes Navarro & Correa Gebara Advogados Associados, alerta que a melhor postura das empresas é a precaução.

“A decisão (do TST) deve interferir na forma como as companhias administram os turnos dos empregados, de forma a evitar o trabalho em sistema de sobrejornadas”, explica Patrícia.

É dessa forma que o gerente do Bar Brasil, Fernando Mesquita, administra os horários dos funcionários . O estabelecimento, ao contrário dos outros do gênero, não abre aos domingos. “Decidimos adotar essa regra para dar um momento de descanso para todos”, afirmou.

Ainda de acordo com o gerente, “a importância de oferecer essa folga aos colaboradores é para que se sintam mais estimulados a trabalhar”.

Empresa punida em R$ 20 mil por divórcio de funcionária

O Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 4ª região, no Rio Grande do Sul, condenou uma empresa a pagar R$ 20 mil por dano existencial a uma funcionária no último mês. A mulher teve o casamento prejudicado pela jornada de trabalho excessiva, de 12 horas.

A trabalhadora, que não teve o nome divulgado, argumentou à Justiça que o fim da união com o marido foi provocado por brigas em razão da sua ausência de casa. Ela cumpria jornada de 12 horas diárias, de segunda à sexta, e de 8 horas aos sábados e domingos.

Pela lei, um funcionário deve cumprir regime de até 44 horas semanais, com a possibilidade de fazer duas horas extras por dia. No entendimento dos magistrados do TRT-RS, a jornada acarretou danos ao casamento da trabalhadora.

A indenização foi decidida inicialmente em R$ 67,8 mil, mas foi revista pelo TRT. Ambas as partes ainda podem recorrer ao Tribunal Superior do Trabalho (TST).

De acordo com o relator do processo, José Felipe Ledur, “o trabalho prestado em jornadas que excedem habitualmente o limite legal de duas horas extras diárias, tido como parâmetro tolerável, representa afronta aos direitos fundamentais e aviltamento da trabalhadora’’, afirmou ele.

Além disso, o relator explica que o dano foi ao projeto de vida, que afeta o desenvolvimento pessoal, profissional e familiar, influenciando nas escolhas e no destino da pessoa.

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