Por thiago.antunes

Rio - O Dia das Crianças é lembrado como uma data para presentear os pequenos e enchê-los de mimos. As marcas de produtos investem mais em publicidade, as lojas oferecem promoções, eventos são feitos para atrair a garotada e muitos pais não conseguem recusar os pedidos dos filhos. Mas não impor limites, lembram especialistas, cria futuros adultos apegados a bens materiais. O DIA consultou educadores financeiros e pedagogos e ensina como “vacinar” as crianças contra o mal do consumismo.

A principal forma de educar é dar exemplo. O aconselho é d o consultor e educador financeiro da BR Experts, Adenias Gonçalves Filho. “Crianças nada mais são do que espelhos dos pais. Se a mãe poupa e valoriza o dinheiro, essas características são transferidas aos pequenos. Mas se a casa não tiver limites, provavelmente os pequenos também não terão”, explica.

Uma maneira de mostrar que “dinheiro não nasce em árvore” pode ser oferecendo um cofrinho ao filho. Dessa forma, ainda de acordo com o especialista, a criança aprende a poupar e a valorizar o que ela tem. “É preciso estimular que junte os valores que ganhou e depois compre o que deseja. Isso mostra que só se tem o que quer quando há esforço”, diz Adenias.

Kristoff Losso. A avó%2C Glória Losso%2C 73 anos%2C precisou desviar a atenção do menino da publicidade para ensinar o valor do dinheiroFernando Souza / Agência O Dia

Foi com essa prática que Matheus Freitas, 10 anos, compreendeu o valor do dinheiro. “Tenho a minha mesada, mas guardo sempre uma parte. Eu entendo quando meus pais não podem me dar um presente que eu quero, mas eu ajudo e junto para comprar”, conta o menino.

O pai do pequeno, o engenheiro João Freitas, 41, valoriza a educação financeira em casa e diz sempre estimular que Matheus faça uma poupança. “Mostro para o meu filho que o mais importante são os momentos da vida em que passamos juntos com a família, e não os presentes que damos. Então guardamos uma quantia por mês para viajar e passear, mas ele também compra brinquedos com o dinheiro do cofrinho que demos a ele”, relata o morador da Tijuca.

A prática da família Freitas, de acordo com a psicóloga Márcia Mathias, é a melhor forma de fugir do consumismo. A especialista explica que muitos pais compensam a ausência deles com presentes e mimos, mas agir assim estimula um comportamento compulsivo.

O aposentado José Carlos Ferreira%2C 69 anos%2C argumenta sobre a nova geração%3A 'As crianças têm tudo'Fernando Souza / Agência O Dia

“Nenhum brinquedo preenche o vazio da companhia, do cuidado e do zelo. Educação é um trabalho diário, que exige um acompanhamento. No entanto, o maior presente é estar com eles”, incentiva. Mesmo assim, nem todas as crianças têm o entendimento de Matheus. Quando a insistência por um brinquedo causa constrangimentos, é preciso agir ainda mais firme. A pedagoga Amanda Castanheira aconselha que não haja proibições, mas sim trocas.

“Os pais devem negociar com os filhos. Quando um pequeno sente que não deve fazer algo, mesmo sem entender o motivo, ele se sente aguçado a tentar. Mas quando o adulto mostra como o outro presente é muito mais interessante, a criança esquece a compulsão”, avalia.

Para o consultor e terapeuta financeiro, Reinaldo Domingos, a criança é elevada ao status de consumidora adulta sem estar preparada. “E a publicidade usa propagandas apelativas, que causam desejos imediatos nas crianças de querer o produto. Isso não significa, necessariamente, que ela é excessivamente consumista, pois esse desejo será rapidamente esquecido”, explica.

Na casa do pequeno Kristoff Losso, 3 anos, foi necessário desviar a atenção do menino das propagandas. A avó, Glória Losso, educa a criança com punho firme e de olho na orientação financeira. De acordo com ela, a nova geração tem muito mais contato com a publicidade e isso afeta diretamente os desejos. “Temos que criar com mais firmeza. O meu neto tem apenas três anos, mas já tivemos que mostrar que nem tudo que ele vê na televisão, ele pode ter”, afirma.

Matheus Freitas. O pequeno de 10 anos aprendeu a valorizar o dinheiro a partir de economizar em um cofrinhoFernando Souza / Agência O Dia

A senhora de 73 anos optou pelo diálogo. Quando Kristoff pede um brinquedo que tem o preço acima das condições financeiras dela, a resposta é simples e direta. “Explico com calma que não posso comprar e que ele não precisa do brinquedo para ser feliz”, relata a moradora de Copacabana. E parece que o menino aprendeu a lição. Questionado se ele entende as dificuldades da avó em oferecer o que ele deseja, o pequeno afirmou com um sorriso: “Fico feliz com tudo que a minha vovó me dá.”

Mais da metade cede aos pedidos

Pesquisa mostra que 52% dos pais admitem ceder às chantagens dos filhos quando assunto é consumo. O informação é do levantamento portal Meu Bolso Feliz, feito em parceria com o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil). Os pais também foram questionados a respeito dos argumentos mais desafiadores ao lidar com a pressão dos filhos. Para 22% dos entrevistados, o mais difícil é negociar no estilo “se você me der isso, eu prometo fazer aquilo.”

Para o aposentado José Carlos Ferreira, 69 anos, a diferença entre a nova geração e a dele é muito grande. De acordo com o morador de Copacabana, quando ele era criança, a educação era muito mais firme e os pais não cediam aos choros. “Vejo a diferença entre a minha infância e a da minha neta. Quando eu era menino, meu pai me mandava ir trabalhar. Mas hoje em dia as crianças nascem com tudo”, compara.

A pesquisa do SPC revela, também, que os pais não estão, no geral, dando bom exemplo aos herdeiros. Entre os entrevistados que têm filhos, 76% já ficaram inadimplentes e 53% compraram alguma coisa sem precisar nos últimos três meses.

Além disso, 74% não reservam uma parte dos ganhos mensais para poupança e 37% estão pagando atualmente cinco ou mais prestações ao mesmo tempo, entre compras parceladas no cartão de crédito, crediário, cheque pré-datado e empréstimos. Os pesquisadores ouviram 694 pessoas com mais de 18 anos, nas 27 capitais brasileiras.

Consumidores acham importante orientar os filhos

Os consumidores consideram importante a educação financeira das crianças. É o que mostra a pesquisa nacional da Boa Vista SCPC (Serviço Central de Proteção ao Crédito). O estudo revelou que 76% dos consumidores acreditam que é muito importante orientar as crianças sobre como lidar com o dinheiro. Dos entrevistados, 20% consideram importante e apenas 4% acham esse assunto indiferente, pouco importante ou nada importante.

Entretanto, 60% disseram que aprenderam sozinhos a lidar com o dinheiro, 18% com os pais, 10% em livros, sites e materiais na internet, 9% com outras pessoas ou parentes e apenas 3% declaram que aprenderam na escola.

A pesquisa também apontou que 75% dos entrevistados concordam que educar financeiramente uma criança é capacitá-la para fazer o melhor uso do dinheiro e que esse tipo de ensinamento deve partir da própria família. Outros 36% afirmaram que a iniciativa também deve ser um papel das escolas.

No que se refere ao controle financeiro, 75% dos consumidores revelaram que o fazem. As classes sociais D e E são as que apresentam o menor percentual de consumidores que têm algum controle dos gastos (70%), contra 83% da classe C e 89% da classe A e B. Outro destaque é que 93% dos consumidores já passaram por algum tipo de dificuldade financeira. Questionados sobre o hábito de dar mesada aos filhos, 68% não possuem esse costume. E dos 32% que oferecem mesada aos filhos, 46% o fazem para estimular a educação financeira, 28% para prover alimentação e 19% como forma de recompensa.

Procon Carioca faz evento para as crianças

O Procon Carioca promove hoje o “Dia das Crianças sem Consumismo”, um jeito diferente de comemorar a data e alertar sobre o tema. O evento está marcado para o Parque Madureira, das 8h30 às 12h. A atividade terá oficinas de construção de brinquedos artesanais com materiais recicláveis, roda de brincadeiras com danças, músicas e ritmos folclóricos brasileiros e feira de troca de brinquedos.

Haverá, ainda, uma apresentação da peça infanto-juvenil “O Drama da Família Gastão”, da Cia. Ensino em Cena, que levará aos adultos e crianças à reflexão sobre gastos, consumismo e educação financeira. Segundo a secretária Municipal de Defesa do Consumidor, Solange Amaral, a troca de brinquedos é enriquecedora por dar novos significados a objetos antigos e mostrar ao público infantil que as relações de consumo não precisam ser apenas de compra.

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