Por thiago.antunes
Rio - Quando o assunto é saúde, a palavra final é do juiz. Essa tem sido a tônica de milhares de procedimentos médicos que vão parar nos tribunais brasileiros devido a litígios entre usuários de planos de saúde e operadoras. Em um mercado crescente, que conta com 72 milhões de beneficiários no país, o volume de ações cresce ano a ano, onerando a Justiça, as operadoras e os próprios clientes.
No sistema de buscas do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o número de acórdãos envolvendo planos de saúde triplicou entre 2011 e 2014. Naquele ano, o tribunal publicou 83 decisões em disputas relativas às empresas. Nos anos seguintes, o número subiu sempre na faixa dos dois dígitos, chegando a 250 acórdãos em 2014.
Judicialização contra convênios de saúde cresce e acórdãos do Superior Tribunal de Justiça triplicam em quatro anos. TJ-RJ tem cinco mil novas ações na áreaArte%3A O Dia

O Tribunal de Justiça do Rio também está abarrotado com ações. Somente em 2014, 5.594 novos processos relativos ao acesso à saúde foram ajuizados no Tribunal, tanto na rede pública quanto na suplementar. A maioria dos pedidos diz respeito à cobertura para internação hospitalar e realização de exames e cirurgias.

A queda de braço entre clientes e operadoras tem dois lados bem definidos. Entidades de defesa do consumidor, advogados e beneficiários vêem práticas e cláusulas abusivas nos contratos. Já as operadoras argumentam que os usuários recorrem à Justiça para pleitear coberturas que não estão previstas. Em muitos casos, os juízes costumam adotar entendimentos pró-consumidor.

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Para Melissa Areal Pires, advogada especializada em causas de saúde, como o contrato é de adesão, ou seja, não há margem para negociação com a empresa, os planos inserem cláusulas abusivas, não restando alternativa a não ser ir à Justiça, quando um serviço é negado. “Não adianta as operadoras tentarem inverter a situação. A maioria das decisões é a favor do consumidor, o que mostra que o plano está descumprindo a lei. Se há abuso de processos, é por falta de informação do consumidor, que não é informado claramente de seus direitos na hora da contratação”, afirma a especialista.
Na visão das empresas, existe um excesso de busca pela Justiça, com pedidos que extrapolam não só o contrato, mas também o rol de procedimentos obrigatórios definidos pela Agência Nacional de Saúde (ANS), como tratamentos experimentais, por exemplo. A Unimed Brasil, que viu o número de ações judiciais saltar 24% nos últimos três anos, entende que os clientes economizam na hora de adquirir o convênio e usam a Justiça para passar por cima dos contratos.
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“Clientes adquirem planos com menos opções e recursos para que seja possível contar com um preço compatível com seus orçamentos, mas acabam indo à Justiça exigir tratamentos e procedimentos que não estavam previstos em contrato. Essa situação causa um desequilíbrio nas finanças das operadoras”, afirma o diretor de Marketing e Desenvolvimento Social da Unimed Brasil, Edevard José de Araújo.
Segundo levantamento feito em sistemas Unimed com mais de 100 mil clientes, o impacto da judicialização no caixa da companhia é de R$ 50 milhões, o que representa entre e 0,5% à 2% do total de despesas assistenciais.
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Para a Federação Nacional de Saúde Suplementar (Fenasaúde), a judicialização prejudica o conjunto dos usuários, pois alguns poucos beneficiários conseguem vantagens na Justiça, onerando o valor das mensalidades do restante dos usuários. “Essas concessões indevidas, que desconsideram o contrato entre operadora e beneficiário, trazem custos que são arcados pelos demais beneficiários que mantêm o plano”, informou a entidade em nota.
Planos não substituem o SUS
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No entendimento das operadoras de planos de saúde, o sistema suplementar não pode ser visto como o SUS, dado que é operado por empresas privadas que precisam gerar lucro para continuar no mercado.
“Há uma certa confusão entre saúde suplementar e saúde pública. A saúde suplementar é algo adicional para quem opta por contratá-la. Temos noção da importância social que o plano tem, mas ele é um contrato assinado entre as partes, em que o consumidor tem opção de escolher”, afirma Aluízio Barbosa, superintendente jurídico da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge).
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A juíza Déborah Ciocci concorda que os dois sistemas (público e privado) não podem ser equiparados. Mas ela afirma que existem empresas que mantém práticas abusivas. “Há o lado de operadoras que não cumprem regras reiteradamente. Os dois lados têm um pouco de razão”, avalia.
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