Por thiago.antunes

Rio - O cobertor é curto quando se trata de ticket-refeição no Rio de Janeiro. Enquanto o preço da alimentação na cidade subiu bem acima da inflação, os valores concedidos pelas empresas para os funcionários almoçarem ficam muito abaixo daqueles cobrados pelos restaurantes. A conta não fecha e o resultado é a impressão de meses mais longos, em que para alguns trabalhadores o benefício não dura nem dez dias.

É o caso dos policiais civis, por exemplo, que recebem R$ 12 por dia para almoçar, segundo o sindicato que representa a categoria (Sinpol). Levando em consideração que o preço médio da refeição fora de casa no Rio é de R$ 33,66, o ticket acabaria no oitavo dia útil. Para funcionários do comércio lojista, que recebem vale-refeição de R$ 22 por dia, de acordo com a convenção coletiva, o benefício acabaria no 14º dia útil.

Diogo Riccobene divide o ticket-refeição com a esposa. A valor não banca a alimentação do casalPaulo Araújo / Agência O Dia

Mesmo os bancários, que ganham R$ 26 por dia para almoçar, teriam que pagar as refeições do próprio bolso a partir do 17º dia. Com ticket médio de R$ 30 diários, os petroleiros estão entre os que recebem os benefícios mais altos, mas mesmo assim o valor acaba dois dias antes do fim do mês.

Pesquisa feita pela consultoria Carreira Muller no ano passado mostra que na Região Sudeste o valor médio do ticket-refeição pago pelas empresas é de R$ 23,15. Já a Associação das Empresas de Refeição e Alimentação Convênio para Trabalhador (Assert) estima que a refeição no Rio sai bem mais cara. O prato feito custa em média R$ 28,76, enquanto o quilo sai por R$ 29,34, o prato executivo R$ 41,20, e as opções à la carte, R$ 58,57.

Economista da Fundação Getulio Vargas, André Braz afirma que o custo da alimentação fora de casa subiu 11,32% em 12 meses — de abril de 2014 a março deste ano. A inflação oficial, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), por sua vez, registrou variação de 8,22% nos últimos 12 meses. “A refeição em restaurantes deve continuar subindo. E se o ticket não tem reajuste que acompanhe, diminui o espaço para o trabalhador se alimentar melhor. A saída é intercalar e tentar levar comida de casa”, afirma Braz.

Rodrigo Fernandes (na frente) criticou os preços cobrados pelos restaurantes%3A 'O ticket não é suficiente'Paulo Araújo / Agência O Dia

O engenheiro civil Marcos Fernandes, 50 anos, diz que não consegue usar o ticket até o fim do mês, mas não cogita levar marmita. “Houve um aumento geral no preço dos alimentos nos ultimos meses, e se o ticket não acompanhar, não tem como durar o mês todo. Mas almoço na rua mesmo assim, pois acho importante ter uma pausa no expediente”, explica ele.

Já o supervisor de montagem Rodrigo Fernandes, 38, trocou o vale-refeição pelo de alimentação e opta por levar comida de casa. “Achei mais vantajoso”, justifica.

Custo para restaurantes aumentou

De acordo com o economista André Braz, entre os fatores que levaram ao aumento no custo da alimentação fora de casa estão a alta nas tarifas de energia elétrica e a inflação. “O custo de energia subiu muito. Além disso, a subida no preço dos alimentos, de um modo geral (9,03% nos últimos 12 meses), também contribuiu”, argumenta o especialista.

Vice-presidente de Meios de Hospedagem do SindRio (Sindicato de Bares de Restaurantes), Fernando Blower acrescenta ainda o custo imobiliário. “Pontos e aluguéis estão muito caros, isso faz toda a diferença. O preço dos alimentos também subiu, principalmente em função do dólar. A verdade é que os empresários desse segmento têm visto suas margens de lucro diminuir, e não aumentar, como muitas pessoas podem pensar”, explica.

Blower também afirma que o setor tem percebido uma mudança de hábitos, com cada vez mais trabalhadores levando comida de casa para almoçar. “Há algumas estratégias que os restaurantes adotam para não perder clientes neste momento. Muitos fazem parcerias com as empresas e oferecem descontos para os funcionários. Outros criam cartões fidelidade, em que a cada 10 refeições, por exemplo, o freguês ganha uma. As redes sociais também são cada vez mais utilizadas para divulgar os restaurantes e atrair novos clientes”, conta o porta-voz do setor.

Para driblar o aumento nos preços dos alimentos, o casal Natália Oliveira, 22 anos, e Diogo Riccobene, 31, adotou uma estratégia inusitada. Eles trabalham na mesma empresa, e enquanto ele optou por receber o ticket-alimentação, ela recebe o refeição. Assim, ele paga as compras de supermercado, enquanto ela banca o almoço. “O valor de R$ 27 para a refeição não é baixo, mas dividido por dois acaba sendo pouco. Até porque os restaurantes no Centro são muito caros”, diz Natália.

A assistente administrativo Renata Inácio Ribeiro de Oliveira, 37, concorda: “Meu ticket não dura o mês inteiro, fico muitos dias pagando do meu dinheiro. Para compensar, levo marmita alguns dias na semana, assim economizo”.

Negociar é importante

A analista de Recursos Humanos Lidiane Cassão afirma que as reclamações de funcionários com relação ao baixo valor dos tickets-refeição são uma realidade e que, de fato, na maior parte dos casos o benefício não é suficiente para pagar os almoços durante todo o mês. Mas, de acordo com ela, há formas de negociar com as companhias ajustes que compensem a defasagem causada pela inflação.

“As empresas não são obrigadas a dar vale-refeição, a não ser que isso esteja previsto na conveção coletiva da categoria. No entanto, conceder esse benefício é vantajoso para as companhias, que podem descontar os valores do Imposto de Renda. Por isso não entendo por que às vezes as empresas pagam um valor tão baixo”, diz.

Segundo a especialista, a quantia do benefício descontado no contracheque dos funcionários não pode ultrapassar 20% do salário. “Há muitas firmas que cobram dos empregados um valor simbólico, de um ou dois reais. Nesse caso, uma forma de os funcionários negociarem um ticket mais alto é propondo um aumento no desconto, que seria compensado pelo benefício”, afirma.

Lidiane acrescenta também que qualquer tipo de negociação dos funcionários a respeito de benefícios — como ticket-refeição, vale-transporte e planos de saúde, entre outros — deve ser feita diretamente com o setor de Recursos Humanos da empresa, e não com os gestores ou a diretoria. “É o RH que faz a pesquisa de mercado e pode avaliar melhor que um diretor, por exemplo, a capacidade que a empresa tem de dar um aumento”, justifica.

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