Rio - Enquanto as britadeiras e escavadeiras mostram o lado mais alardeado e barulhento da revitalização da Zona Portuária, uma segunda renovação se esconde por detrás das paredes dos sobrados centenários da região. Rapidamente, a área tem se consolidado como um polo de empresas na área de economia criativa, atraindo designers, arquitetos, publicitários, empreendedores sociais e profissões afins.
O burburinho que elas criaram já chamou a atenção da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (Cdurp), que está mapeando as iniciativas na área. Até agora, foram contabilizados mais de 200 agentes culturais.
“A renovação urbana não é apenas de obras, mas também de ideias. A mudança destas empresas representa isso”, diz Daniel Vam Lima, gerente de Desenvolvimento de Economia Social.
Fora as obras do Porto Maravilha, um dos atrativos da região é a oferta de sobrados espaçosos a preços bem mais modestos do que os praticados na Zona Sul — para quem está disposto a reformar, geralmente. Outra vantagem é o zoneamento da área, que permite a instalação de indústria e comércio, fator essencial para empresas que possuem maquinário para produzir peças.
Além de levar desenvolvimento econômico para a região, as empresas também carregaram ideias frescas e novas formas de fazer negócios. Um dos epicentros desta movimentação é a Goma, uma associação que reúne 23 empresas e 77 pessoas. O grupo surgiu a partir da ocupação de um casarão na Rua Senador Pompeu, no fim de 2013, e hoje já se espalhou por três sobrados, em uma área de 750 metros quadrados.
Mais do que um espaço de coworking, o Goma propõe um trabalho em rede, em que as empresas fomentam seus negócios mutuamente.
Em projetos maiores, uma recruta a outra, de forma que elas podem se adaptar a grandes ou pequenos negócios. “O faturamento aumenta, pois à medida que a trabalhamos juntos, podemos pegar projetos maiores que, sozinhos, não pegaríamos”, diz Vinícius Machado, 34, um dos fundadores da Goma e sócio da empresa de consultoria Carioteca.
A flexibilidade atraiu a empresária Marcella Mugnaini, 26, sócia da agência de marketing Up Line. Ela está reformando uma das áreas da Goma para se mudar com uma equipe de 15 pessoas. “Queremos atuar mais em rede, com uma estrutura menos fixa. Não acreditamos muito mais nesse modelo de megaestruturas”, diz.
A mudança da região lembra experiências internacionais, como Bilbao, na Espanha, e o Soho, em Nova York. Mas quem chegar tarde demais perderá o bonde da história. “A onda certa para surfar é a primeira”, diz Vinícius.
Convivência com população local é valorizada
Uma das preocupações dos “criativos” ao migrar para a região foi interagir com a população local. No discurso dos empreendedores, transparece o medo de um possível processo de gentrificação (quando uma área se valoriza e os moradores originais acabam sendo expulsos pelo encarecimento da região).
“A gente não quis chegar de um modo grosseiro. Temos uma preocupação em fazer parcerias e tudo que precisamos de bem material a gente tenta comprar aqui, para fomentar o comércio”, conta o arquiteto André Almeida, sócio do Estudio88, que faz parte da Goma. O escritório oferece serviços integrados de Arquitetura e Engenharia e se mudou para a região no final de 2013.
“Nosso cuidado foi de tentar não ser um alienígena na região. Não queríamos ser vistos como ‘playboyzinhos’ da Zona Sul, e sim pessoas dispostas a respeitar aquela história”, diz Magui Kampf, sócia do M + E, que faz design de exposições. Ela também foi uma das criadoras da Goma e atualmente está instalada no Liceu de Artes e Ofícios, em um projeto de incubação do governo do estado.
A proximidade com o comércio local rendeu até participação em um trabalho dos projetos do Formigueiro. “A gente precisava filmar um ovo frito quadrado para um comercial e pedimos ao dono de um bar aqui da rua. Ele riu, mas fritou para gente”, conta Vinícius Mesquita.
Iniciativa da Goma atrai novas empresas para atuar na região
Funcionando desde 2013, a Goma já começa a espalhar frutos em outros imóveis da região. Para algumas empresas, a expansão provocou a necessidade de buscar novos espaços. Foi o caso da Zerezes, que produz óculos a partir de madeira reaproveitada.
A empresa foi uma das primeiras a funcionar na associação, mas se mudou para um casarão no ano passado, em busca de mais espaço para produzir as peças. O sobrado fica a dois quarteirões da antiga sede.
Trabalhando na área portuária desde 2012, Luiz Eduardo Rocha, 26, um dos fundadores da Zerezes, observa a mudança nos olhares para a região. “O preconceito está desaparecendo. Se antes a gente achava que tinha que ir para a Zona Sul fazer reuniões, hoje conseguimos trazer o cliente para cá”, afirma.
A mudança da Zerezes atraiu novos inquilinos. No mesmo casarão onde funciona a empresa, outras três se instalaram. Uma delas é O Formigueiro, coletivo dos designers Caio Bahouth, 24, Vinícius Mesquita, 25, e Lucas Portes, 26. Ex-colegas da PUC, eles começaram as atividades em um apartamento em Santa Teresa, mas logo veio a necessidade de um local maior. “Não era fácil encontrar um lugar. A gente precisava de um espaço para o escritório e para a oficina. Aqui o zoneamento permite a instalação de fábricas”, explica Caio.
Na oficina, eles fabricam principalmente mobiliário. “A logística é muito boa, compramos vários materiais a pé, com os comerciantes daqui”, afirma Vinícius. Reclamações, apenas com a internet: devidos às obras, há um problema de cabeamento. Temos que usar internet a rádio, que é pior e mais cara”, diz.