Por felipe.martins

Rio - Nos primeiros 15 segundos, não há nada que chame atenção no anúncio lançado pelo Boticário para o Dia dos Namorados. Seria banal, se não fosse pelo desfecho: casais do mesmo sexo se presenteando e se abraçando. Os protagonistas não trocam nada além de um abraço morno, mas esse gesto foi suficiente para revoltar religiosos radicais, que começaram a fazer campanha contra a marca.

O bafafá em torno do comercial colocou em evidência dois traços da publicidade brasileira: o primeiro é que ela engatinha quando se trata de retratar temas tabus, como a homossexualidade. O segundo é que, lentamente, as empresas estão se tornando mais dispostas a assumir posição em um assunto que ainda divide o país.

Boticário%3A Na campanha de Dia dos Namorados do perfume Egeo%2C a rede de franquias mostrou casais homossexuais e levantou polêmicaDivulgação

Uma enquete promovida pela Câmara dos Deputados na discussão do projeto do Estatudo das Famílias revela o tamanho do vespeiro. A pergunta sobre o que é considerado “família” já foi respondida 7 milhões de vezes. Para 50,37% dos entrevistados, família deve ser considerada apenas homem e mulher. Outros 49,32% consideram que o conceito é plural, abrangendo casais homoafetivos.

Mesmo com essa divisão, algumas empresas estão escolhendo “meter a colher” na briga em favor da diversidade. “A publicidade está inserida na sociedade brasileira e reflete certo conservadorismo existente. Mas isso está mudando, uma empresa puxa a outra”, afirma Luiz Cavalheiros, professor de criação publicitária da ESPM-Rio.

Uma das pioneiras a demonstrar apoio explícito à comunidade LGBT foi a construtora Tecnisa, que começou a publicar anúncios voltados para este público em 2003. Naquela época, ela era uma voz solitária, fato que está mudando hoje. Somente neste ano, a Gol, a Mondelez (fabricante do Sonho de Valsa), o Boticário e a Motorola divulgaram peças com referências ao universo LGBT.

CONAR

Segundo Carlos Mendonça, professor do departamento de Comunicação da Universidade Federal de Minas Gerais, ainda é cedo para dizer que há uma mudança sedimentada na postura das empresas, mas ele diz que a decisão de anunciar mostra que a sociedade está mais aberta ao assunto. “Quando a publicidade aborda a questão da igualdade, é porque já há um repertório constituído na sociedade”, explica. Constituído, mas nem tanto. Devido a reclamações, a propaganda do Boticário será analisada pelo Conar, conselho que regulamenta a publicidade no Brasil.

Para Fernand Alphen, responsável pela área de pesquisas da agência J. Walter Thompson no Brasil, não há motivos para censura. “O comercial que, com singela naturalidade, retratou os mais variados casais, seria considerado careta em culturas mais progressistas”, diz.

Empresa investe na Parada Gay de SP

Além do Boticário, a Motorola foi a empresa mais recente a aderir à causa LGBT. Hoje, durante a parada gay de São Paulo, a fabricante de celulares vai oferecer internet gratuita em vários trechos da Avenida Paulista. A empresa também divulgou a campanha #Escolhaoamor nas redes sociais, com imagens que fazem alusão a relacionamentos entre pessoas de mesmo sexo.

“A Motorola é uma empresa que historicamente apoia a diversidade. A ação #Escolhaoamor é uma iniciativa mundial, que começou pelo Brasil. Mas será realizada também em outros países, como Estados Unidos, Inglaterra e Canadá, além de outras nações da América Latina.”, diz Marcela Lacerda, gerente de marketing da Motorola.

Benetton%3A campanha polêmica retratou líderes mundiais ‘se beijando’. Marca é conhecida pela ousadiaDivulgação

Neste ano, a Gol abordou o tema da adoção em uma de suas campanhas, contado histórias reais de adoção por casais do mesmo sexo. A diversidade no âmbito familiar também já foi mote da Natura, em uma campanha do Dia das Mães de 2013. “Lendo uma pesquisa do IBGE, o departamento de planejamento da agência descobriu o dado surpreendente de que mais de 50% das famílias brasileiras já não são mais famílias tradicionais”, conta Alexandre Peralta, dono da agência Peralta, produtora do comercial. Ele diz que ainda vê resistência dos clientes em abordar o assunto, principalmente pelo receio em desviar a atenção do produto que está sendo vendido.

LÁ FORA

Em relação aos mercados europeu e norte-americano, as empresas brasileiras ainda são conservadoras ao lidar com o público LGBT.

No exterior, há marcas que possuem relacionamentos estreitos com a comunidade LGBT, como a Absolut, Google, Microsoft e Starbucks. Recentemente, a tradicional joalheria Tiffany & Co também entrou para a lista ao publicar um anúncio de alianças protagonizado por dois homens.

Nos Estados Unidos, algumas empresas decidiram avançar ainda mais no tema, fazendo polpudas doações para entidades de apoio à comunidade LGBT, como a Amazon. Em 2012, seu fundador, Jeff Bezos, doou U$ 2,5 milhões para uma campanha em favor do casamento gay.

Em fevereiro deste ano, 379 corporações norte-americanas enviaram um pedido à Justiça americana para que o casamento entre pessoas do mesmo sexo fosse liberado em todo o país.

Na Europa, é impossível não lembrar da italiana Benetton, que fez história na publicidade ao celebrar a diversidade de raças, culturas e orientações sexuais. Em 2011, a marca causou frisson com a campanha “unhate”, que mostrava uma montagem com líderes de estado se beijando na boca.

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