Rio - A origem da palavra crise vem da Medicina. Indica uma situação difícil em que um paciente pode morrer ou se encaminhar para a cura. Com desemprego, preços e juros em alta, o quadro não poderia ser mais complicado, mas para o economista Bruno Fernandes, da Confederação Nacional do Comércio (CNC), o remédio amargo da atual política econômica, se tomado corretamente, pode indicar mudança de quadro já no ano que vem. Mesmo com os lojistas registrando queda nas vendas em função dos juros altos, Fernandes não condena a atual política econômica contracionista. “A ideia é ajustar a casa, para depois ter como crescer. A inflação na meta permite jogar os juros para baixo. E o consumidor precisa de renda, mas também de crédito. São condições para as pessoas voltarem a consumir”, diz.

O DIA: O governo anunciou na semana passada o Programa de Proteção ao Emprego (PPE), que permite a redução da jornada de trabalho e do salário em 30%, com o objetivo de evitar demissões em empresas que se encontram em dificuldades financeiras temporárias. Por outro lado, não gera novas vagas. A medida resolve o problema do emprego?
BRUNO FERNANDES: Em parte, pois não vai gerar vagas, mas ao mesmo tempo evita que haja mais desemprego. Então, na verdade o PEE, de certo ponto, não é a solução para a deterioração do mercado de trabalho, mas inibe esse processo de alta da desocupação pela qual a gente vem passando nesse período de economia mais fraca. É uma medida favorável, que visa impedir uma alta do desemprego no curto prazo.
Em vez de criar um plano para conter o desemprego, não seria mais interessante elaborar uma estratégia para gerar mais vagas de trabalho?
A gente está num processo agora um pouco complicado, com o crédito caro, a inflação mais alta, o mercado de trabalho mais fraco. No curto prazo, gerar empregos é mais difícil. O governo já vem tomando medidas para ter uma reversão do mercado de trabalho no médio prazo. Como seria isso? Tentando trazer a inflação para a meta — entre 4,5% e 6,5% — e ao mesmo tempo com o ajuste fiscal. É um remédio ruim? É. Porém, é a maneira que o governo tem de política econômica, neste momento, para convergir de novo a economia para um momento de crescimento e, consequentemente, retomar a geração de empregos.
O PPE provoca gastos inesperados no Orçamento, já que o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) vai complementar 50% da perda salarial, ou seja, 15% da remuneração do funcionário. Isso pode ser um problema para as contas públicas?
Neste caso, não. Porque ao mesmo tempo em que se tem um gasto maior com a questão do PPE, não tem a perda de receitas previdenciárias e não tem um gasto maior com o seguro-desemprego. Então, na verdade, fazendo o cálculo, ter o PPE hoje é um gasto menor do que ter um aumento de demissões. Você investe no empregado o dinheiro que iria para o desempregado .
A crise atingiu com força o comércio. As pessoas não estão comprando, e vemos muitos lojistas com os estoques cheios, apostando até em liquidações fora de época. Quais as perspectivas para esse setor?
No curto prazo, não é uma boa perspectiva. Aqui na Confederação Nacional do Comércio, a gente tem uma expectativa de que o comércio vai ter uma retração de 1,1% em 2015. Esse é o pior resultado nos últimos 12 anos. Mas não esperamos esse resultado tão negativo no ano que vem. Ainda é cedo para falar, mas até onde a gente consegue enxergar, haverá retração do comércio. Isso se dá principalmente pelo crédito mais caro, inflação — que deve ficar entre 9% e 9,5% este ano. E, ao mesmo tempo, o mercado de trabalho se deteriorando. Isso realmente inibe qualquer aumento de consumo.
O governo continua esperando uma retomada do crescimento econômico do país para o ano que vem. Isso é possível, levando em consideração a conjuntura atual?
É possível, desde que o ajuste fiscal tenha o sucesso esperado. Se o governo conseguir ajustar as contas e o Banco Central trouxer a inflação para a meta, é possível que se tenha uma reversão da economia. Ainda é cedo para falar de 2016, mas se o dever de casa for feito, pode acontecer. Agora, essa recuperação que a gente diz é uma reversão de desaceleração. A gente não está falando em crescer fortemente ano que vem. É muito pouco provável que isso aconteça. Mas é possível, sim, que se estanque esse sangramento que vem acontecendo em 2015.
Em quanto tempo a gente poderia projetar um crescimento considerável para o país de novo?
Ainda é cedo para falar. Para ano que vem, pode começar a ter uma reversão do quadro da economia real. Hoje, o quadro é de retração mesmo. Se todo o dever de casa for feito, ano que vem podemos começar a perceber uma reversão, mas o ritmo vai ser mais fraco. Para o médio prazo, aí sim a gente pode voltar a ter uma recuperação econômica.
Além do que o governo já está fazendo para retomar o crescimento da economia, você aponta alguma outra medida que poderia ser adotada?
Acho que o governo está no caminho certo com o ajuste fiscal e o próprio PPE agora. A grande questão da recuperação da economia é trazer de novo a inflação para a meta e colocar as contas públicas em dia. Sem isso, não se consegue fazer nada. Além disso, há as reformas microeconômicas, como as reformas previdenciárias, mas isso não depende só do Executivo, depende do Legislativo. É uma discussão mais ampla.
Na prática, como o ajuste fiscal vai colocar o país em ordem?
O aumento dos gastos do governo faz com que aumente a circulação de dinheiro na economia. Consequentemente, você tem um aumento do consumo. Isso foi feito ao longo dos últimos anos, e levou a um nível de endividamento grande, não só das famílias, como do próprio governo. Além de ter provocado alta da inflação. Por que é necessário fazer o ajuste fiscal? Principalmente para deixar de novo as contas do governo em dia e consequentemente ajudar no controle da inflação. A partir do momento em que o governo gasta menos, bota menos dinheiro na economia. Isso faz com que o consumo seja também menor. Esse é o grande ponto.
Mas o consumo reduzido não provoca também uma desaceleração da economia?
É o que vem acontecendo. Mas a inflação alta é muito mais perigosa do que uma política econômica contracionista. A ideia é ajustar a casa, para depois ter novamente condições para crescer. A inflação na meta permite ao Banco Central jogar as taxas de juros para baixo. E o consumidor precisa de renda, mas também precisa de crédito. Essas são as duas condições para as pessoas voltarem a consumir.
Até que ponto o dólar em alta prejudica a economia brasileira?
O câmbio interfere bastante na economia brasileira porque o real desvalorizado faz com que os produtos encareçam e a inflação aumente. Mas os efeitos do dólar alto podem ser tanto negativos quanto positivos. Para o consumo, é bom ter um câmbio valorizado, mas para a indústria, não.
O governo cortou recentemente investimentos em infraestrutura, com a redução do Orçamento para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o que também contribuiu para o desemprego, principalmente no setor de Construção Civil. O que poderia ser feito neste momento, em que o setor público não tem recursos para investir, para criar novas vagas?
Pelo setor público, é realmente pouco provável que haja novos investimentos agora, em função do ajuste fiscal. O governo hoje não tem condições de aumentar seus gastos. Mas isso pode ser feito via setor privado. As medidas que o governo pode adotar, e que são extremamente eficazes, é estimular o setor privado a investir. Mas, para isso, é preciso criar uma condição econômica favorável. É pouco provável esperar que o setor privado invista em um momento de confiança baixa, com o governo gastando muito e ao mesmo tempo com a inflação alta.
As Olimpíadas de 2016 no Rio podem contribuir para a recuperação econômica ou serão apenas mais uma despesa para descompensar as contas públicas?
A gente espera que as Olimpíadas estimulem o consumo e fomentem o turismo em todo o país. Mas em termos de tendência, não acredito que ajude na recuperação da economia. Isso depende muito mais de fatores macroeconômicos. Os Jogos Olímpicos terão um efeito pontual.