Por tamyres.matos
Rio - O descredenciamento da Universidade Gama Filho pelo Ministério da Educação (MEC) mobiliza não só os estudantes, mas toda a comunidade acadêmica, inclusive de outras universidades, e também quem sobrevive há décadas dos negócios gerados em torno da tradicional instituição de ensino. Nesta terça-feira, estudantes foram às ruas contra a decisão do MEC e reitores de diversas universidades, inclusive da UFRJ, pediram a federalização da Gama Filho e do Centro de Educação Universitária (UniverCidade), que também foi descredenciado.
Em Piedade, na Zona Norte, onde funciona desde 1939 o principal campus da instituição, moradores e comerciantes ainda tentam se adaptar à nova realidade, sem o ‘coração pulsante’ do bairro. Pouco mais de 24 horas depois de anunciada a decisão do MEC, donos de lojas já procuravam alternativas para garantir o sustento, mantido nas últimas décadas pelo intenso fluxo de alunos da universidade. E se emocionavam ao falar dos laços afetivos criados por lá. Vizinhos do principal campus da Gama Filho — o outro fica no Centro — também temem um futuro desértico do bairro.
Ao ver as vendas despencarem de R%24 800 para R%24 20%2C o jornaleiro Domenico Sacco%2C há 40 anos no local%2C diz que não sabe como vai sobreviverAlexandre Vieira / Agência O Dia

Há 40 anos instalado em frente ao portão principal do complexo de prédios, na Rua Manoel Vitorino, o jornaleiro Domenico Sacco, 68, diz não ver outra alternativa a não ser encerrar as atividades. “Nos bons tempos, chegava a faturar R$ 800 por dia. Criei três filhos graças à universidade e, até hoje, quando me perguntam onde trabalho, respondo: em frente à estação de trem ‘Piedade-Gama Filho’”, disse, em referência à placa instalada na linha férrea. Ontem, o faturamento de R$ 20 o fez baixar as portas mais cedo. “Sei que é uma das últimas vezes que faço este ritual, mas o que mais dói é saber que viverei sem o convívio de alunos e professores. Para mim, é mais do que um local de trabalho. Aqui eu construí a minha história”, emocionou-se.

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Agonia semelhante vive Joel Marques Júnior, 46 anos, auxiliar administrativo da Gama Filho e morador do bairro. Atordoado, ele teme também pela segurança em Piedade. “O que será do bairro sem a Gama Filho? Será que os edifícios se tornarão invasões favelizadas? E o número de assaltos na passarela do trem, aumentará?”, questionava. Funcionário da universidade há 18 anos, ele não quer pensar em demissão. “Ainda não recebi qualquer aviso e prefiro não falar na possibilidade. Alguém tem que intervir em nome dos pais de família”, disse.
Defensoria Pública quer pedir indenização para alunos das duas universidades
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Nesta terça, reitores de várias universidades públicas, como a UFRJ, assinaram um manifesto de apoio à federalização das duas instituições. No documento, o grupo pede que “a Educação não seja vista como um negócio, mas um investimento de longo prazo, cuja maior responsabilidade cabe aos governos.” Na quinta, deputados do Rio vão pedir ao Ministério Público Federal (MPF) a intervenção do MEC nas duas faculdades.

A Defensoria Pública do Estado pode entrar com ação civil pública contra o Grupo Galileo Educacional, responsável pela Gama Filho e pela UniverCidade. “A ação já está pronta, mas vamos esperar os cinco dias (até sexta-feira) que o MEC deu para o grupo providenciar a documentação de transferência dos alunos. Se nada acontecer, vamos à Justiça”, declarou a defensora Larissa Davidovich, que ontem recebeu mais de 500 ligações de alunos. Ao todo, são 9,5 mil matriculados nas duas instituições, sendo 5,5 mil somente na Gama Filho.

Alunos da Universidade Gama Filho (UGF) e do Centro Universitário da Cidade (UniverCidade) se mobilizam contra fechamento das universidadesAlexandre Brum / Agência O Dia

Se a ação for instaurada, a Justiça pode conceder uma liminar que garanta o direito de transferência dos estudantes, além de obrigar o Grupo Galileo a indenizá-los por danos morais, com devolução em dobro dos valores já pagos nas mensalidades.

Sem condições de receber os pedidos de transferência pessoalmente, já que conta apenas com 15 funcionários trabalhando em suas unidades, o grupo divulgou o email reitoria@ugf.br para esta finalidade.
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ESTUDANTES NAS RUAS
Mais de mil alunos da Universidade Gama Filho e da UniverCidade tomaram a Avenida Presidente Vargas para mais um protesto, na tarde de ontem. Com dois carros de som e dezenas de megafones, os estudantes criticaram o descredenciamento pelo MEC e pediram a federalização das duas instituições.
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Prestes a se formar, a aluna de Medicina da Gama Filho Mariana Marques, de 24 anos, estava indignada por não ter conseguido transferência. “Nenhuma faculdade quer receber aluno do nono período”, criticou.
Antigos donos buscam saída
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Os antigos donos da Universidade Gama Filho, Paulo Gama e Luís Alfredo Gama, ainda aguardam o julgamento do MEC a um requerimento, protocolado em setembro, pedindo a revogação do ato administrativo que passou a instituição para o Grupo Galileo em 2011. “Vamos continuar lutando. Esta é a única solução para a universidade”, explica o advogado da Sociedade Universitária Gama Filho, Roberto Roland Júnior.
O Grupo Galileo acumula R$ 900 milhões em dívidas e tem patrimônio estimado em R$ 1 bilhão. Ontem, o presidente do grupo, Alex Porto, pediu desculpas aos alunos e aos professores, que estão desde outubro com salários atrasados.