Por tamyres.matos

Rio - A sabedoria popular recomenda contar até dez para acalmar o ânimo e evitar reações impulsivas. Mas há pessoas que só conhecem o número um. ‘Pavio curto’ pode ser uma doença mental, conhecida por Transtorno Explosivo Intermitente (TEI), que afeta 3% dos brasileiros.

Não é qualquer sinal de raiva que indica o TEI. “Ataque de raiva pode ser sinal de problemas de personalidade, bipolaridade e depressão”, explica a psicóloga Liliana Seger, do Ambulatório dos Transtornos do Impulso, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo.

O TEI integra a lista dos nove males caracterizados por impulso. Segundo a especialista, configuram o TEI ataques de fúria repentinos e não premeditados. E o principal: a reação agressiva é desproporcional ao fato que a motivou. “Um paciente quebrou o braço do motoqueiro, após levar uma fechada no trânsito”, exemplifica a psicóloga, acrescentando que, depois do ato, surgem o sentimento de culpa e o arrependimento.

Cena do filme 'Um dia de fúria'Reprodução Internet

Além da agressão física, portadores da doença recorrem ao ataque verbal — com gritos e palavrões — e à destruição de objetos, como celulares, computadores e carros.

REMÉDIO E QUALIDADE DE VIDA

Em agosto do ano passado, o administrador André Silva da Cruz, 31 anos, percebeu que o nervosismo marcante da sua personalidade era um transtorno que precisava de tratamento. Discussão com motorista de ônibus, perseguição a motoqueiro no trânsito e brigas no trabalho foram alguns episódios que levaram André a procurar tratamento, que foi concluído em abril deste ano.

“Vivia preparado para a guerra. Depois que eu comecei meu tratamento, minhamãe descobriu que também tem o transtorno”, relata.

Para serem considerados casos de Transtorno Explosivo Intermitente, os ataques de fúria devem ter ocorrido pelo menos duas vezes por semana, nos últimos três meses. Os primeiros sintomas aparecem na adolescência e diminuem a partir dos 60 anos. Entre os que sofrem do transtorno, 70% são homens.

O psiquiatra Rafael Freire, do Laboratório do Pânico e Respiração da UFRJ, disse que o tratamento inclui medicamentos (antidepressivos ou estabilizadores de humor), terapia e mudança de hábitos, como reduzir o estresse no trabalho e praticar exercício. “Há teorias que classificam o TEI como um problema adquirido ao longo da vida, e outras como uma característica da personalidade”.

Liliana explica que o TEI pode ser causado por um problema na transmissão da serotonina (hormônio responsável pela sensação de prazer) no cérebro, o que aumenta a irritabilidade. Há casos ligados a maus tratos na infância e comportamentos semelhantes dos pais. “Ensinamos as pessoas a contar até cinco pelo menos”.

No cinema e na vida real

Um caso típico de Transtorno Explosivo Intermitente foi mostrado no cinema, em 1993, no filme ‘Um Dia de Fúria’. Nele, o personagem William Foster, vivido pelo ator Michael Douglas, é homem com problemas emocionais que agrede e mata diversas pessoas que cruzam seu caminho.

Situações cotidianas, como congestionamentos, preços altos na mercearia e até mesmo um hambúrguer fora do ‘gosto do freguês’ despertaram raiva, agressividade e violência no personagem.

Outro caso com sinais de TEI aconteceu, na vida real, em São Paulo. Em maio passado, o empresário Vicente D’Alessio, de 62 anos, matou o casal de vizinhos do andar de cima e cometeu suicídio. O motivo foi apenas o barulho do apartamento de Fábio de Rubim, 40, e Miriam Amstalden Baida, 38.

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