Por bferreira
França - O mundo acordou ontem com a mais trágica notícia à liberdade de imprensa e expressão da história da França. Doze pessoas foram mortas, entre elas quatro cartunistas, dois desenhistas e dois policiais, e 11 ficaram feridas — quatro em estado grave — no ataque à redação do jornal satírico francês ‘Charlie Hebdo’, no Centro de Paris. O semanário se destacava como um veículo que fazia sátiras ao fundamentalismo islâmico.
Polícia francesa divulgou no fim da noite as fotos dos atiradores Cherif e Said KouachiReprodução

O atentado provocou manifestações de repúdio nas ruas de vários países, inclusive no Brasil, e foi condenado por líderes internacionais. O massacre começou por volta das 9h locais, quando começava a reunião de pauta dos jornalistas. Três homens com fuzis AK-47 e um lança-foguete entraram na sede do jornal e atiraram, enquanto gritavam “vingamos o profeta” e “Allahu Akbar” (Deus é grande).

Veja fotogaleria do atentado em Paris

De acordo com a polícia francesa, dois irmãos, Said e Cherif Kouachi, de 32 e 34 anos, e um morador de rua, que se chamaria Hamyd Mourad, que teria 18 anos, são os principais suspeitos do ataque. No fim da noite, Mourad se entregou no Comissariado de Charleville-Mézières, e a polícia divulgou as fotos dos irmãos, alertando que eram perigosos.

Em uma de suas últimas charges%2C Charb diz que a 'França segue sem atentados. Atenção%2C esperem até o final de janeiro para comemorar'Reprodução Twitter

Ao sair do prédio da redação, eles mataram um policial. O trio conseguiu fugir num carro preto, que era dirigido por um quarto integrante. O veículo foi abandonado na região de Porte de Pantin, na Zona Norte de Paris. Lá, os terroristas roubaram outro carro e sumiram. Até a noite de ontem, nenhum grupo havia reivindicado a autoria dos ataques.

O presidente da França, François Hollande, decretou luto de três dias no país. Ele esteve no local da tragédia e disse que “nenhum ato bárbaro conseguirá, jamais, calar a liberdade de imprensa”. “Nós somos um país unido que saberá reagir e impedir isso”, afirmou.

ÍDOLOS ABATIDOS
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Entre os mortos estão o diretor de redação do ‘Charlie Hebdo’, Stephane Charbonnier, conhecido como Charb, e George Wolinski, de 80 anos, considerado o maior nome do quadrinho francês e uma das referência mundiais no assunto, além dos desenhistas Jean Cabut, o Cabu, 76, e Bernard Verlhac, o Tignous, 58.
A presidenta Dilma Rousseff classificou o ataque como “ato de barbárie” e prestou condolências aos parentes das vítimas. “É um inaceitável ataque a um valor fundamental das sociedades democráticas: a liberdade de imprensa. Quero expressar, igualmente ao presidente Hollande e ao povo francês, a solidariedade de meu governo e da nação brasileira”.
Charge do líder do Estado Islâmico publicada pelo jornal francês Charlie EbdoReprodução Internet

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, chamou o ataque de “covarde”, “do mal” e ofereceu ajuda. “Nossos pensamentos e orações estão com as vítimas deste ataque terrorista e com o povo da França nesta hora difícil. A França, e a grande cidade de Paris onde este ataque ultrajante ocorreu, oferecem ao mundo um exemplo atemporal que vai durar muito além da visão de ódio desses assassinos”, disse.

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Não foi a primeira vez que a redação do ‘Charlie Hebdo’, considerado de esquerda na França, foi alvo da ira de fundamentalistas. Em 2011, a capa do jornal, que trazia uma charge de Maomé, motivou um ataque com bombas à redação, que ficou destruída. Na edição, o profeta aparecia como ‘editor convidado’.
Grupo sabia que todos estariam na sede
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Os terroristas, provavelmente, sabiam que ontem era o dia em que toda a redação se reunia para fazer o planejamento da edição. Antes de atirar, os terroristas perguntavam os nomes dos profissionais.
Diretor do semanário, Stephane Charbonnier, o Charb, vivia sob proteção policial. Sua foto foi colocada numa lista de “procurado vivos ou mortos”, por crimes contra o Islã, numa publicação de uma revista jihadista. Em 2011, quando a sede do jornal foi atacada, ele chamou os extremistas de idiotas.
Com a tragédia, a charge feita por Charb nesta semana tomou outro significado. O título foi “Ainda não houve ataques na França”. No desenho, um militante islâmico com um balãozinho que dizia: “Espere! Ainda temos até o fim de janeiro para apresentar nossos desejos”.
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Entre o artistas brasileiros, ontem foi o 11 de setembro da arte. “A liberdade de expressão está de luto”, afirmou o desenhista Mauricio de Sousa. “Por mais que se lute pela liberdade de expressão, isso foi um tiro muito contundente no mundo do cartum. Porque a partir de agora as pessoas vão pensar duas vezes quando forem usar a charge”, afirmou o cartunista Ique.
Cartum perde um de seus mestres
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Um homem que influenciou gerações. Nascido na Tunísia, Georges Wolinski publicou 80 livros e sua marca era a irreverência. Em meio aos protestos de 1968, com o cartunista Siné, fundou a revista ‘L’Enragé’ (O Furioso). Mas seu início foi na revista ‘Hara Kiri’, na qual fazia tirinha sobre política e assuntos eróticos.
O presidente da França%2C François Hollande prometeu lutar contra o fundamentalismo e punir os responsáveis pelo atentadoEfe

“Siné ficou na minha casa dois meses naquele período. Ligava todo dia para Paris, para falar com Wolinski, que acabei conhecendo numa viagem a Paris. Achava o Wolinski caretão, que usava paletó e gravata. Achava isso engraçado nele. É um dia de luto . A cabeça desses fanáticos é inacreditável. Acho que Wolinski pensava que as ameaças não iriam se concretizar”, contou Jaguar, chargista do DIA.

Para Ziraldo, o atentado vai ser um marco da luta contra o terror. “Eles começaram a matar os seres humanos. Agora, matam a liberdade. A sociedade não pode viver sob essa ameaça”, disse.
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As vigílias em homenagem às vítimas tinham um clima de consternação e não de vingança. O jornalista brasileiro João de Oliveira, de 48 anos, que mora em Paris e participou ontem da manifestação na Praça da República, contou que foi a primeira vez que se emocionou tanto com um ato público desde o movimento Diretas-Já: “As pessoas estavam em choque, em silêncio. Não vi demonstração de ódio”.
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