Por paulo.gomes
Paris (França) - Um dos três suspeitos de ter participado do massacre contra a revista satírica "Charlie Hebdo", no qual morreram 12 pessoas, se entregou à polícia no fim da noite desta quarta-feira na cidade de Charleville-Mézières, próxima da fronteira com a Bélgica. Mourad Hamyd, de 18 anos, se entregou à polícia depois de ter supostamente colaborado nos crimes cometidos pelos irmãos Said e Cherif Kouachi, de 34 e 32 anos, cujas identidades foram divulgadas pela polícia para que a população possa colaborar na captura dos mesmos, informou a imprensa francesa na madrugada desta quinta.
Hamyd se entregou de forma espontânea e voluntária às 23h locais depois que viu seu nome circular nas redes sociais, segundo a imprensa francesa, o que deixa dúvidas sobre seu envolvimento no atentado. A polícia francesa divulgou um aviso para a população com as identidades dos dois suspeitos de terem cometido o atentado e alertou que os mesmos "podem estar armados e são perigosos", segundo a Prefeitura de Paris, que especificou que existe uma ordem de busca e captura contra eles. Junto com seus nomes também foram divulgadas suas fotografias para facilitar sua localização.
Polícia francesa divulgou no fim da noite de quarta-feira as fotos dos atiradores Cherif e Said KouachiReprodução
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Além de Mourad Hamyd, a polícia francesa prendeu sete pessoas na megaoperação de busca dos dois suspeitos do ataque à redação do seminário  Charlie Hebdo. As sete pessoas, que teriam relação ou seriam familiares dos suspeitos, foram detidos na cidades de Reims e Charleville-Mezieres, e também na área de Paris.

As autoridades pedem que a população colabore com qualquer informação que possa levar ao paradeiro dos criminosos. Segundo o site do jornal "Metronews", Chérif Kouachi foi julgado em 2005 por fazer parte de uma célula de envio de jihadistas ao Iraque que teria recrutado dez jovens para combater no país árabe entre 2003 e 2005. Ele foi condenado a três anos de prisão, metade deles isenta de cumprimento. O governo francês elevou o alerta antiterrorista ao nível máximo e mobilizou mais de 3 mil efetivos das forças de segurança na operação de busca e captura.

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O atentado em que doze pessoas foram mortas, entre elas quatro cartunistas, dois desenhistas e dois policiais, e 11 ficaram feridas, provocou manifestações de repúdio nas ruas de vários países, inclusive no Brasil, e foi condenado por líderes internacionais. O massacre na "Charlie Hebdo" começou por volta das 9h locais, quando começava a reunião de pauta dos jornalistas. Três homens com fuzis AK-47 e um lança-foguete entraram na sede do jornal e atiraram, enquanto gritavam “vingamos o profeta” e “Allahu Akbar” (Deus é grande).

Ao sair do prédio da redação, eles mataram um policial. O trio conseguiu fugir num carro preto, que era dirigido por um quarto integrante. O veículo foi abandonado na região de Porte de Pantin, na Zona Norte de Paris. Lá, os terroristas roubaram outro carro e sumiram. Até a noite de ontem, nenhum grupo havia reivindicado a autoria dos ataques.

Em uma de suas últimas charges%2C Charb diz que a 'França segue sem atentados. Atenção%2C esperem até o final de janeiro para comemorar'Reprodução Twitter

O presidente da França, François Hollande, decretou luto de três dias no país. Ele esteve no local da tragédia e disse que “nenhum ato bárbaro conseguirá, jamais, calar a liberdade de imprensa”. “Nós somos um país unido que saberá reagir e impedir isso”, afirmou.

Ídolos abatidos
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Entre os mortos estão o diretor de redação do ‘Charlie Hebdo’, Stephane Charbonnier, conhecido como Charb, e George Wolinski, de 80 anos, considerado o maior nome do quadrinho francês e uma das referência mundiais no assunto, além dos desenhistas Jean Cabut, o Cabu, 76, e Bernard Verlhac, o Tignous, 58.
A presidenta Dilma Rousseff classificou o ataque como “ato de barbárie” e prestou condolências aos parentes das vítimas. “É um inaceitável ataque a um valor fundamental das sociedades democráticas: a liberdade de imprensa. Quero expressar, igualmente ao presidente Hollande e ao povo francês, a solidariedade de meu governo e da nação brasileira”.
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O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, chamou o ataque de “covarde”, “do mal” e ofereceu ajuda. “Nossos pensamentos e orações estão com as vítimas deste ataque terrorista e com o povo da França nesta hora difícil. A França, e a grande cidade de Paris onde este ataque ultrajante ocorreu, oferecem ao mundo um exemplo atemporal que vai durar muito além da visão de ódio desses assassinos”, disse.
Charge do líder do Estado Islâmico publicada pela revista francesa 'Charlie Ebdo'Reprodução Internet

Não foi a primeira vez que a redação do ‘Charlie Hebdo’, considerado de esquerda na França, foi alvo da ira de fundamentalistas. Em 2011, a capa do jornal, que trazia uma charge de Maomé, motivou um ataque com bombas à redação, que ficou destruída. Na edição, o profeta aparecia como ‘editor convidado’.

Grupo sabia que todos estariam na sede
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Os terroristas, provavelmente, sabiam que ontem era o dia em que toda a redação se reunia para fazer o planejamento da edição. Antes de atirar, os terroristas perguntavam os nomes dos profissionais.
Diretor do semanário, Stephane Charbonnier, o Charb, vivia sob proteção policial. Sua foto foi colocada numa lista de “procurado vivos ou mortos”, por crimes contra o Islã, numa publicação de uma revista jihadista. Em 2011, quando a sede do jornal foi atacada, ele chamou os extremistas de idiotas.
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Com a tragédia, a charge feita por Charb nesta semana tomou outro significado. O título foi “Ainda não houve ataques na França”. No desenho, um militante islâmico com um balãozinho que dizia: “Espere! Ainda temos até o fim de janeiro para apresentar nossos desejos”.

Entre o artistas brasileiros, a quarta-feira foi o 11 de setembro da arte. “A liberdade de expressão está de luto”, afirmou o desenhista Mauricio de Sousa. “Por mais que se lute pela liberdade de expressão, isso foi um tiro muito contundente no mundo do cartum. Porque a partir de agora as pessoas vão pensar duas vezes quando forem usar a charge”, afirmou o cartunista Ique.

O presidente da França%2C François Hollande prometeu lutar contra o fundamentalismo e punir os responsáveis pelo atentadoEfe

Cartum perde um de seus mestres

Um homem que influenciou gerações. Nascido na Tunísia, Georges Wolinski publicou 80 livros e sua marca era a irreverência. Em meio aos protestos de 1968, com o cartunista Siné, fundou a revista ‘L’Enragé’ (O Furioso). Mas seu início foi na revista ‘Hara Kiri’, na qual fazia tirinha sobre política e assuntos eróticos.
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“Siné ficou na minha casa dois meses naquele período. Ligava todo dia para Paris, para falar com Wolinski, que acabei conhecendo numa viagem a Paris. Achava o Wolinski caretão, que usava paletó e gravata. Achava isso engraçado nele. É um dia de luto . A cabeça desses fanáticos é inacreditável. Acho que Wolinski pensava que as ameaças não iriam se concretizar”, contou Jaguar, chargista do DIA.
Para Ziraldo, o atentado vai ser um marco da luta contra o terror. “Eles começaram a matar os seres humanos. Agora, matam a liberdade. A sociedade não pode viver sob essa ameaça”, disse.
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As vigílias em homenagem às vítimas tinham um clima de consternação e não de vingança. O jornalista brasileiro João de Oliveira, de 48 anos, que mora em Paris e participou ontem da manifestação na Praça da República, contou que foi a primeira vez que se emocionou tanto com um ato público desde o movimento Diretas-Já: “As pessoas estavam em choque, em silêncio. Não vi demonstração de ódio”.