Por bferreira

Rio - Dez ganhadores do Prêmio Nobel — sete deles então já premiados — reunidos com centenas de outros cientistas num projeto supersecreto e ultrafragmentado com o objetivo de trazer a paz. Como? Desenvolvendo e fabricando a mais devastadora arma já conhecida, a bomba atômica. Era essa a razão de ser do Projeto Manhattan, assim batizado, sem muita criatividade, por ter começado na ilha nova-iorquina. Mas logo a força-tarefa internacional se espalharia pelos Estados Unidos, criando cidades do nada, contratando milhares e correndo contra o tempo.

Oppenheimer e GrovesWikicommons

Havia razão para pressa. E quem disse isso foi nada menos que o gênio Albert Einstein, em carta ao presidente Franklin Delano Roosevelt. “Alguns aspectos da situação que emergiu parecem exigir vigilância e, se necessário, rápida ação”, escreveu em 1939.

A “situação” foi a evolução da pesquisa da radioatividade, que desde o início do século desbravava o mundo dos átomos — com contribuição do próprio Einstein — e, em 1938, chegaria a um ponto-chave. Os alemães Otto Hahn e Fritz Strassman, seguindo experiência do italiano Enrico Fermi, conseguiram a cisão do núcleo de urânio — ou dividi-lo em dois. A austríaca Lise Meitner e seu sobrinho Otto Frisch mediram a intensidade da energia emitida na operação. Era o embrião da bomba, embora as pesquisas tivessem buscado, no início, usos pacíficos.

HITLER TINHA MATÉRIA-PRIMA

O físico húngaro Leo Szilard, que ajudou Albert Einstein a escrever a ‘carta-bomba’ a Roosevelt, tinha certeza de que Adolf Hitler estava desenvolvendo uma poderosa arma a partir das pesquisas sobre radioatividade. E o sucesso do Führer, que estava apenas iniciando sua brutal expansão pela Europa, seria fatal para as ambições do Ocidente.

Contribuiu para a convicção de Szilard a interrupção da exportação de urânio das minas da Tchecoslováquia, então invadida pelas forças nazistas, para as fábricas de cristal da Boêmia — letreiros luminosos também consumiam urânio. Para o húngaro, era um sinal de que o Terceiro Reich estava estocando o minério para mais pesquisas.

Por dentro da bomba. Clique na imagem acima para ver o infográfico completoReprodução

Foi Szilard quem insistiu no alerta ao governo americano. A única maneira de deter Hitler, na sua visão, era construir a bomba primeiro. E pediu ajuda a um amigo judeu, Alexander Sachs, conselheiro de Roosevelt.Ao ler a correspondência, o chefe da Casa Branca prontamente mandou reunir um colegiado de notáveis para bater o martelo. Em 1940, nascia o Projeto Manhattan.

A iniciativa só foi possível graças ao envolvimento de homens que conseguiram fugir dos regimes totalitaristas que assolavam a Europa. Szilard foi um deles. Enrico Fermi, outro — e deve o feito ao Nobel. Numa raríssima quebra de protocolo, o italiano fora avisado com antecedência de que ganharia a láurea pelos avanços na física. Era, na verdade, uma estratégia para arquitetar o exílio para os Estados Unidos. Pediu autorização ao governo para viajar a Estocolmo, mas levou a família toda para as bases do Projeto Manhattan.

A missão valeu o risco. Somente Fermi tinha o conhecimento necessário para tocar o projeto em tempo hábil. E em três anos sua equipe dominou a tecnologia do átomo, algo impossível se Fermi não a liderasse.

MUITO DINHEIRO E PARANOIA

Gastaram-se robustos US$ 2 bilhões (ou quase R$ 90 bilhões no câmbio de hoje) no monumental projeto. Cidades com dezenas de milhares de pessoas brotaram no meio do deserto em questão de dias, como Hanford, numa gigantesca e ultrafragmentada linha de produção, onde o segredo era fundamental.

Era preciso uma rigorosa disciplina militar, e quem a implantou foi o general Leslie Groves. Ele convocou o físico Robert Oppenheimer para chefiar a ‘parte científica’ dos trabalhos e baixou um padrão minucioso: dividiu as quase 130 mil pessoas das 30 instalações em grupos e proibiu qualquer tipo de contato entre eles (o que, para pesquisadores, era um tiro no pé, e Szilard foi um a desrespeitar as normas). Toda a comunicação era em código.

O sigilo e a omissão de informações eram tais que muitos empregados — como telefonistas — só descobriram para quem trabalhavam e com qual objetivo anos depois, ao ver fotos de arquivo. Sob esse anonimato muito bem engendrado, construíram-se laboratórios e usinas de enriquecimento; implantaram-se quilômetros e mais quilômetros de ferrovias.

O grupo avançava rápido. Mas, à medida que se aproximava da bomba, o moral se esvaía — porque a verdade aparecia cada vez mais nítida no horizonte. Na Europa, Hitler começava a enfrentar revezes, como a resistência soviética, deixando claro que a Alemanha não tinha a mesma capacidade para desenvolver ogivas — contrariando a previsão de Szilard.

O teste definitivo da bomba atômica aconteceu nas primeiras horas de 16 de julho de 1945 em Alamogordo, no Novo México. Longe dali, mas quase na mesma hora, o presidente Harry Truman chegava a Potsdam para, ao lado dos vencedores da guerra na Europa, impor as sanções à Alemanha — que havia se rendido dois meses antes. Situação bem diferente da do Japão, cujo Exército vendia caro a rendição de ilhotas. Era um banho de sangue sem data para terminar — salvo uma surpresa.

E ela veio na forma de uma luz seca e intensa, seguida de uma onda de choque potentíssima — que Fermi calculou ser de pelo menos 10 quilotons só de ver o deslocamento de papéis no chão — e de um calor incomensurável. Euforia? Festa? Oppenheimer bem que tinha captado o teor do que estavam parindo, ao se lembrar, num misto de ironia, resignação e perplexidade, de versos hindus: “Eu me tornei a morte / destruidora de mundos.”

Mas não havia tempo para sentimento. Confirmado o potencial devastador da bomba do Projeto Manhattan, carga especial foi embarcada no mesmo dia no USS Indianápolis, cruzador que partiu de São Francisco com destino às Ilhas Marianas. Estava decidido o primeiro ataque nuclear a alvos civis da história.

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